terça-feira, 11 de agosto de 2009

Pelo fim da burocracia

Fim da linha para o entulho legal
Autor(es): Luciano Pires
Correio Braziliense - 11/08/2009

Projeto para reformar a Lei Orgânica da Administração Pública, vigente desde o regime militar, facilita as licitações e a contratação de pessoal



Passados mais de 40 anos, a administração pública tem a chance de assumir pela primeira vez que pode e deve ser eficiente. Criticado por oferecer serviços de baixa qualidade, de ser lento demais e de usar das parcerias com o setor privado para permitir desvios, o Estado brasileiro é alvo de uma profunda revisão institucional. Se aplicadas na íntegra, as novas regras mudarão por completo a forma como o cidadão, as empresas e o servidor interagem com a máquina. A pedido do governo, uma comissão de notáveis passou a limpo o arcabouço jurídico que rege a engrenagem oficial desde os tempos do regime militar. A proposta de nova Lei Orgânica enterra o Decreto-Lei 200/67. Entidades públicas, autarquias, agentes privados e organizações sociais assumem novos papéis, tendo de respeitar metas e regras de governança. O que foi considerado “ultrapassado” pelos especialistas acabou no lixo. O Correio teve acesso ao anteprojeto preparado por juristas que representam as mais diferentes escolas do direito. Um dos pontos mais importantes fortalece a identidade de empresas e fundações estatais de direito privado — cujo projeto de lei de criação está no Congresso Nacional. Conforme o anteprojeto, elas são liberadas a adotar padrões de licitação simplificados. Seguindo regulamentos próprios, essas entidades continuam submetidas a regras para contratar e concorrer, mas não precisam assumir ou se espelhar na Lei 8.666 — considerada “cega” por advogados e analistas de mercado. O sistema é semelhante ao adotado pelas agências reguladoras: nem tão frouxo nem tão rígido. “É um modelo menos amarrado, mas mais controlado, por exemplo, do que o que praticam a Petrobras e a Eletrobrás”, diz Carlos Ari Sundfeld, especialista em direito público e um dos integrantes da comissão de análise da nova Lei Orgânica da Administração Pública. Caso seja instituída, a ferramenta servirá para dar maior agilidade a entidades não dependentes do Tesouro Nacional ou àquelas que optarem por celebrar contratos de autonomia. Gambiarras Embora o documento não represente o pensamento oficial do Palácio do Planalto, é o ponto de partida para as discussões que serão travadas a partir de agora com a sociedade. “A intenção é permitir que o Estado esteja mais atualizado dentro de um conceito de governança democrática, aproveitando o que for possível e rejeitando o que for autoritário”, resume Marcelo Viana, secretário de gestão do Ministério do Planejamento. Sem o peso do entulho legal, a proposta abre horizontes quase inesgotáveis para uma atuação bem mais pró-ativa da burocracia. Como está, o anteprojeto agrada tanto ao ministro Paulo Bernardo (Planejamento) como à pré-candidata à presidência Dilma Rousseff (Casa Civil). Tidos como gestores desenvolvimentistas, Bernardo e Dilma defendem a revisão legal. Ambos rechaçam o termo “choque de gestão” — referência identificada com a ideologia tucana. Em um eventual governo petista a partir de 2011, a nova Lei Orgânica poderá dar sustentação a uma agressiva reforma administrativa da máquina estatal. Outra preocupação do grupo foi permitir que os agentes públicos e privados ocupem de forma clara suas posições dentro do complexo sistema público. Em resposta a gambiarras e vácuos jurídicos, os especialistas enquadraram as entidades que compõem o terceiro setor (ONGs, organizações sociais, fundações de apoio) — consideradas pilares imprescindíveis. Olhando para os erros do passado, a comissão indica a necessidade urgente de dar mais transparência aos contratos de colaboração firmados entre entes públicos e privados. Maria Coeli Simões Pires, membro da comissão e mestre em direito administrativo, elogia: “Ao longo dos anos, houve grandes avanços sem que esses avanços fossem incorporados de uma forma mais sistemática na dinâmica brasileira” Controle A nova lei veda qualquer possibilidade de administrações paralelas, mal que aflige especialmente as universidades públicas no Brasil. A tentativa de consolidar a passagem de um modelo burocrático para um mais gerencial fica explícita. Em um capítulo dedicado exclusivamente ao controle, os juristas fizeram questão de incluir no texto que os órgãos da administração pública continuarão sendo vigiados pela Constituição, mas suas atividades deixam de ser alvo de fiscalizações “meramente formais ou cujo custo seja superior ao risco”. Sob esse aspecto, o anteprojeto representa um avanço sem precedentes, uma vez que condena sobreposições de competências e prega a simplificação dos procedimentos. No artigo 51, a proposta determina que “o controle deve ser compatível com a natureza do órgão ou entidade controlados”, o que, na opinião de estudiosos, exigirá do Tribunal de Contas da União (TCU) um tipo de postura menos restritiva. “Não deixamos de mexer em nenhum vespeiro. A proposta olha para a administração nos próximos 20 anos”, diz Floriano de Azevedo Marques Neto, outro integrante da comissão. De acordo com ele, há muitos controladores e a atuação de tantos agentes acaba por sugar a energia vital da administração. “O anteprojeto não partiu de nenhuma visão ideológica. Buscou atualizar os institutos frente aos muitos desafios contemporâneos”, justifica. O autocontrole e o controle social (aquele realizado pela sociedade civil) são outros dois pontos amplamente abordados na proposta de anteprojeto. A nova lei se esforça para regularizar a presença de ambos no emaranhado de leis. As entidades paraestatais (corporações profissionais e serviços sociais autônomos, como o Sistema “S”) também são analisadas em profundidade. Para Sergio de Adréa Ferreira, um dos sete integrantes da comissão de juristas, ao olhar a administração pública de cima para baixo distinguiu-se bem a hierarquia. “Sem afrouxamento, acabamos com a cogestão feita pelos órgãos de controle”, completa.


E EU COM ISSO


Editada pelo ex-presidente Castello Branco, a lei que trata da organização da administração federal surgiu como pilar de uma burocracia robusta e intervencionista. Direta e indiretamente é por causa dela que o contribuinte paga muitos impostos e não vê retorno na forma de bons serviços. A norma elaborada pelos generais ficou obsoleta. Ao longo das últimas quatro décadas, o poder público faliu em áreas essenciais, sendo obrigado a repassar para ONGs e organizações privadas uma série de responsabilidades. A proposta de reforma da lei orgânica tenta adequar o país às necessidades da população e das empresas. Aplicá-la, no entanto, depende de vontade política e coragem administrativa. (LP)
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