segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Discutindo a relação

Brasil S.A - Luciano Pires
Correio Braziliense - 30/11/2009



Com a troca de guarda em 2011, as organizações de trabalhadores serão obrigadas a rever seu papel, independentemente de quem for o sucessor de Lula

A um ano do fim do governo Luiz Inácio Lula da Silva os sindicatos ligados ao funcionalismo olham, ao mesmo tempo, saudosos e angustiados para o calendário. Durante os dois mandatos do ex-metalúrgico — agora “Filho do Brasil” — as entidades nunca foram tão bem tratadas. Apesar de todos os desgastes que uma relação longa e íntima acaba causando, nenhum representante de servidor público recebeu porta na cara ou deixou de tomar o famoso cafezinho do
Ministério doPlanejamento.

Com a troca de guarda em 2011, as organizações de trabalhadores serão obrigadas a rever seu papel, independentemente de quem for o sucessor de Lula. Para o bem do patrão, dos empregados, mas em especial do país, novos contratos de confiança e espaços de negociação terão de ser construídos. E os limites, claro, revistos.

As táticas da faca no pescoço e do toma lá dá cá não caberão mais. A chantagem pela greve, muito menos. Em um governo de continuidade ou de renovação, artimanhas dessa natureza não vão funcionar pelo simples, mas decisivo fato de que a máquina mudou e a disposição das pessoas em participar do processo reivindicatório diminuiu.

Representatividade sempre foi um dos valores mais caros no mundo sindical. Há 30 anos, Lula conseguia encher praças e ruas com facilidade. Em assembleias que mais pareciam shows de astros pop, o líder sindical “flutuava” sobre as massas. Hoje, isso raramente acontece. E no setor público, as razões são quase óbvias: falta de identificação com as bases, acentuado grau de amadorismo, desarticulação, discurso ultrapassado. Sinal de uma era.

Ao passarem pela Esplanada dos Ministérios, os apitos e as palavras de ordem que saem do megafone só incomodam. Não instigam. “É sempre o mesmo blá-blá-blá”, reclama uma servidora do Ministério da Saúde, que na semana passada acompanhou de camarote o ato público barulhento dos servidores do Ministério do Trabalho que querem a criação de uma carreira específica e aumento salarial. A sensação de aquilo que se passava na rua era pura perda de tempo, para ela, está generalizada entre os servidores.

Futuro
Muita gente diz que a crise que assola as entidades que representam os servidores teve início quando lideranças históricas e sindicalistas de primeiro escalão trocaram o carro de som pelos gabinetes refrigerados de Brasília. Esse foi o início do processo, mas tendo a acreditar que o fenômeno do deslumbramento não fez o estrago que fez sozinho. Há outras variáveis de cunho ideológico que precisam ser levadas em consideração.

No poder, os sindicalistas imprimiram estratégias que praticamente anularam a capacidade de reação das entidades. Já fragilizadas com a perda de seus principais comandantes, restou à maioria brigar por migalhas. E todo mundo sabe que trabalhador não se contenta com migalhas. Ao ver que a agenda sindical reduziu-se a velhas bandeiras inacessíveis ou utópicas, o funcionalismo virou as costas para seus representantes, abandonou as assembleias e, assim como a servidora do Ministério da Saúde, teve a certeza de que tudo isso não passa mesmo de perda de tempo.

O futuro está aí. Os aumentos salariais foram concedidos, novos servidores não param de ser convocados, bem ou mal a infraestrutura administrativa melhorou no país. Lutar? Sim, lutar por mais. É nisso que as entidades deveriam se concentrar. O lamento pela desmobilização e a tentativa covarde de culpar o governo pelo fracasso é fácil. Difícil é alcançar os ouvidos e convencer seus próprios filiados de que uma nova agenda pode e deve ser proposta. Sem grito. Sem chantagem. Sem se deixar ser cooptado.

Efeito urna
Com a proximidade das eleições, no entanto, o ambiente fica carregado. Em busca de resultados imediatos, a turma do chinelinho abre a caixa de ferramentas: “A gente tem de arrancar desse governo o que der porque ninguém sabe como será o outro”, resume um dinossauro sindical com acesso livre aos mais altos andares ministeriais. Pobre homem. Pobre funcionalismo.

Agora mesmo, o debate que mais empolga esse senhor e alguns de seus representados é o que trata do reajuste do vale alimentação dos servidores do Executivo federal. Para eles, mais importante do que discutir as distorções que uma série de políticas equivocadas provocaram ao benefício é ver o tíquete aumentado o quanto antes. “O povo está faminto meu caro”, diz o sindicalista, apelando para uma frase de efeito.

Na lógica desse cidadão e de seus apoiadores o melhor a fazer no momento é pressionar o governo e garantir que o vale alimentação suba logo. “Orçamento? Isso não depende do Orçamento, depende de voto e isso servidor entende”, completa o cidadão do alto de sua sabedoria de botequim.

Claro que atualizar o valor de um benefício congelado há cinco anos é fundamental. É óbvio que olhando para o que é pago pelos demais Poderes fica ainda mais evidente o quanto isso é necessário. Mas daí a fechar os olhos para a realidade e sair atirando para todos os lados na tentativa de que alguma bala acerte um pardal existe uma grande diferença. Conquistas como essa, ainda que bem sucedidas, têm vida curta.
Luciano Pires é repórter de economia e blogueiro


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