quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Apagão administrativo


Autor(es): Luciano Pires
Correio Braziliense - 17/02/2010


Em meio à substituição de funcionários terceirizados por concursados, órgãos públicos federais procuram evitar que a troca de guarda paralise a máquina


Ao mesmo tempo em que correm para cumprir a determinação legal de substituir toda a mão de obra irregular terceirizada por servidores concursados, órgãos públicos federais também decidiram adotar medidas emergenciais para evitar um “apagão” administrativo. Os ministérios em que a terceirização se instalou com mais força preparam um tipo de transição cuidadosa: alguns adaptaram rotinas, outros planejam treinar os novatos que ainda nem chegaram. O objetivo é preservar programas e áreas estratégicas, impedindo que a troca de guarda paralise a máquina.

Como não há uma orientação formal por parte do
Ministério do Planejamento sobre como cada setor deve atuar, os departamentos de recursos humanos traçam e executam suas próprias políticas. “O processo de substituição foi planejado de forma a possibilitar o repasse de informações entre os que saem e os que estão chegando. Os períodos de aviso prévio foram utilizados como momento de repasse de informações”, explica Márcia Bassit, secretária executiva do Ministério da Saúde.

Até agora, 920 terceirizados deixaram o prédio sede e os núcleos estaduais de saúde espalhados pelo país. Márcia Bassit reforça que os planos de ação ficaram prontos com antecedência e que não há riscos de descontinuidade ou prejuízos. “É natural que haja algumas dificuldades pontuais quando há substituição tão expressiva da força de trabalho, mas todas estão sendo resolvidas”, completa a secretária. Há cerca de 25 anos, o Ministério da Saúde não realizava concursos nessas proporções para suprir a falta de servidores efetivos.

Etapas
No Ministério da Justiça, 40% dos funcionários são terceirizados irregulares. Em vez de substituir todos de uma só vez, o órgão decidiu combinar ferramentas de gestão e, com isso, evitar surpresas desagradáveis. As trocas serão feitas em três etapas: a primeira já foi cumprida, a segunda ocorrerá ao longo deste mês de fevereiro e a última, em junho. A estratégia é simples: à medida que os concursos forem sendo autorizados, os servidores serão chamados e, quando assumirem, receberão tratamento diferenciado. “Fazemos a ambientação dos novatos”, diz Sylvio Andrade, subsecretário de planejamento, orçamento e administração.

A grande capilaridade e o imenso volume de projetos em andamento impõem desafios particulares, reconhece Andrade. Manter a engrenagem funcionando normalmente em meio a recepções e despedidas é um esforço que demanda sintonia fina entre os encarregados da área de recursos humanos. Por isso mesmo, adverte o subsecretário, o trabalho teve de ser dividido. “Demos liberdade às unidades do ministério para incorporar as pessoas da forma mais eficiente possível. Tomamos a iniciativa também de criar mecanismos capazes de preservar nossa memória administrativa”, completa.

Raízes
Desde os anos 1990, praticamente todos os ministérios passaram a contratar profissionais sem a necessidade de concurso público. Parte dessas pessoas acabou deslocada para funções consideradas exclusivas de servidores de carreira — muitas vezes recebendo salários acima dos de mercado e desfrutando de regalias inacessíveis ao pessoal efetivo. Ao verificar tais desvios, os órgãos fiscalizadores pressionaram o governo a se adequar.

Um termo de acordo judicial assinado entre o Executivo, o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) em 2007 determina a substituição de todos os contratados à margem da lei. O levantamento oficial aponta que há 12.982 empregados na administração federal direta sem concurso — classificados pelos fiscais como irregulares ou impróprios. Conforme o compromisso assumido pelo governo, o prazo final para regularização termina no fim de 2010. De acordo com o
Ministério do Planejamento, a meta definida para 2009 foi cumprida à risca: 7.535 cargos foram regularizados.

Laerte Méliga, subsecretário de Planejamento, Orçamento e Administração do Ministério da Fazenda, recebeu, em dezembro do ano passado, autorização para substituir cerca de mil terceirizados. O concurso para o preenchimento das vagas foi concluído com sucesso. A renovação do quadro de pessoal, segundo ele, está sendo feita a partir das secretarias com estruturas menores para não causar impactos. Outra precaução introduziu no dia a dia do ministério práticas consagradas no setor privado, como, por exemplo, fazer com que novos e antigos funcionários convivam por um período mínimo. “Novos servidores e terceirizados vão trabalhar juntos por cerca de 30 dias”, explica Méliga.

Fenômeno
A terceirização no setor público é um fenômeno tão agressivo que sufocou a capacidade de determinados órgãos contratarem por meio de concurso público. Por opção política, conveniência técnica ou negligência gerencial, muitos gestores acabaram preferindo contratar profissionais por meio de convênios com organismos internacionais e empresas de prestação de serviço. Isso mudou o perfil do funcionalismo federal e criou distorções sem solução até hoje.


Share This

Pellentesque vitae lectus in mauris sollicitudin ornare sit amet eget ligula. Donec pharetra, arcu eu consectetur semper, est nulla sodales risus, vel efficitur orci justo quis tellus. Phasellus sit amet est pharetra