sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Servidores fazem boicote ao ponto


Autor(es): Daniela Lima
Correio Braziliense - 12/02/2010

Indignados com o fato de que o rigor com horários só vale para metade dos funcionários, efetivos organizam estratégias para burlar a fiscalização e desmoralizar a norma

A implantação de novo modelo de ponto eletrônico no Senado deflagrou uma crise que mobiliza três pilares da Casa: servidores efetivos, comissionados e os próprios senadores. Ato baixado pelo primeiro-secretário, senador Heráclito Fortes (DEM-PI), regulamentou a marcação de presença dos funcionários de toda a Casa. Mas a norma não está está valendo para todos. Os servidores lotados nos gabinetes dos senadores — em Brasília, e nos escritórios políticos espalhados por estados e pelo Distrito Federal — não são obrigados a obedecer as regras impostas aos que atuam na estrutura administrativa. Uma onda de revolta dominou a rede interna de computadores. E-mails em que são feitos ataques a Heráclito e ao novo modelo circulam nas caixas de mensagens. Servidores estão abandonando os trabalhos no plenário ao meio-dia em ponto, quando o sistema registra automaticamente a ausência para o período de almoço. Diante do impasse, o alto escalão da Casa trabalha para evitar a paralisação dos serviços no Senado.

Os servidores efetivos são os que mais demonstram irritação com o novo sistema. Para eles, no afã de dar satisfações à imprensa, o Senado baixou norma burocrática, que não respeita o funcionamento da Casa e privilegia funcionários escolhidos por critérios políticos. O ponto eletrônico foi uma promessa feita ainda no ano passado pelo presidente José Sarney (PMDB-AP) como forma de conter os gastos milionários com pagamento de horas extras — em 2009, R$ 87,6 milhões foram pagos a título de serviços extraordinários.

O ato do senador Heráclito Fortes prevê que todos os servidores são obrigados a bater o ponto primeiro às 8h30 da manhã. Das 12h às 14h, o sistema registra automaticamente a ausência para almoço. A saída deve ser marcada às 18h30. Todos os servidores só podem receber até duas horas extras por dia de trabalho, de terça a quinta-feira. Em retaliação ao que chamam de rigidez, na última segunda-feira, ao meio-dia, servidores da Secretaria-Geral da Mesa abandonaram a sessão no plenário. Já que a ausência é marcada automaticamente, não viram motivos para permanecer em seus postos e deixaram os afazeres.

A acusação de que o modelo atual beneficia os comissionados é baseada em resolução publicada antes do ato de Heráclito. Ela garante aos senadores a prerrogativa de fixar as normas sobre os horários de trabalho de funcionários lotados em seus gabinetes e lideranças. A mesma resolução isenta da norma imposta pelo ato de Heráclito os integrantes da Comissão Diretora. Ela tem força maior que o ato do senador. Excluídos esses funcionários, quase metade do efetivo (48%) fica livre do controle imposto pelo ponto.

Ciente dos ataques que está sofrendo nos corredores da Casa, Heráclito Fortes tenta minimizar a crise e garante que o regime atual ainda está em fase de testes. “Nós estamos cumprindo a carga horária prevista na lei, e ainda vamos discutir a questão da jornada de trabalho. Não se faz um omelete sem quebrar ovos”, afirmou, lançando mão de um jargão para justificar a insatisfação de parte dos funcionários da Casa.

Um por todos

Heráclito responde às críticas dos servidores no mesmo tom. “Tem gente que assina o livro de presença uma vez por semana. Estou fazendo o que é certo. Não quero o Tribunal de Contas da União em cima de mim”, concluiu. O senador disse, ainda, que a “guerra” que se instalou no Senado é promovida por uma “minoria”.

Em corrente oposta, os servidores defendem a implantação do ponto biométrico (em que a presença é marcada após identificação da digital do servidor). Segundo eles, alguns servidores estão dando um “jeitinho” para não ter que chegar cedo ao trabalho. Apenas um servidor chega no horário, e, de posse da matrícula dos demais, bate o ponto de todos.

O senador Heráclito garante que o modelo atual ainda está em teste. “Vai funcionar assim por 90 dias, mas ainda vamos discutir o assunto”, ressaltou. Uma coisa é fato: a medida mudou o cenário do Congresso. Logo no início da manhã, um engarrafamento de carros se forma nas entradas do Senado. Servidores correm para bater o ponto. E como, salvo dias excepcionais, às 8h30 não existem atividades nas comissões, nem senadores na Casa, há quem registre presença e saia para voltar mais tarde.

Nós estamos cumprindo a carga horária prevista na lei, e ainda vamos discutir a questão da jornada de trabalho. Não se faz um omelete sem quebrar ovos”
Heráclito Fortes, primeiro-secretário do Senado (DEM-PI)

Leia o ato do Senado que instituiu o ponto eletrônico

Memória
Farra das horas extras

No início do ano passado, o jornal Folha de S.Paulo mostrou que o Senado pagou R$ 6,2 milhões em horas extras em janeiro, durante o recesso parlamentar. Em resposta, o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), anunciou, em 12 de março, a “imediata” instalação do ponto eletrônico. O primeiro-secretário, Heráclito Fortes (DEM-PI), disse que a implementação do sistema se daria em até três meses. Em maio, o Senado passou a exigir o registro eletrônico das horas extras na rede interna de computadores da Casa. A medida não surtiu o efeito esperado. Em 28 de agosto (página reproduzida acima), o Correio publicou reportagem que mostrou que, em julho, durante o recesso, outros R$ 6,4 milhões haviam sido pagos a título de serviços extraordinários, segundo o Portal Siga Brasil. Em janeiro, Heráclito publicou o polêmico ato que regulamentou a marcação de presença dos funcionários.


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