sábado, 3 de julho de 2010

Reintegração injustificável


O Estado de S. Paulo - 03/07/2010


O que sobra em dramatização falta em racionalidade nas explicações que o deputado Sebastião Bala Rocha (PDT-AP) tenta dar - por escrito, no parecer que apresentou sobre as propostas, e na entrevista que concedeu à repórter do Estado Denise Madueño - para a aprovação de dois projetos que permitem a reintegração de 55 mil servidores públicos e empregados de empresas controladas pelo governo que deixaram seus empregos há 14 anos em programas de demissão voluntária.

Por que o funcionário que aderiu a um programa desses, e recebeu bem mais do que receberia numa demissão ou aposentadoria convencional, pode ter o direito de retomar o emprego que aceitou deixar? Como fica a situação do funcionário que optou por permanecer no cargo e não recebeu nenhuma indenização? Pelo projeto, o funcionário readmitido não destinará mais do que 10% de seu salário mensal para devolver o que recebeu ao se demitir, o que deixará um enorme saldo devedor quando ele novamente se aposentar - e quem pagará esse saldo?

Estas são perguntas que os funcionários que permaneceram em plena atividade ou se aposentaram em condições normais nos últimos 14 anos e os contribuintes em geral gostariam de ver respondidas de maneira clara. Mas nem o autor da proposta, deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ), nem o relator do projeto na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara, deputado Sebastião Bala Rocha, apresentam respostas convincentes a elas nos documentos em que defendem a medida.

Houve dois planos de desligamento voluntário durante o governo Fernando Henrique. O primeiro, de 1996, ofereceu vantagens financeiras atraentes aos que optassem por deixar o emprego público. O segundo, além das vantagens, ofereceu também a possibilidade de treinamento e financiamento aos que aderissem ao plano, com o objetivo de prepará-los para iniciar um empreendimento próprio.

Ao apresentar o projeto, Picciani justificou-o alegando que o governo não cumpriu sua parte, pois não ofereceu treinamento aos demitidos nem lhes abriu uma linha de crédito. Se houve esse problema, os que se sentiram prejudicados deveriam ter recorrido à Justiça para defender seus direitos. Se não recorreram foi porque não viram necessidade de fazê-lo.

Ao incorporar ao projeto de Picciani outras propostas sobre temas correlatos, o relator incorporou as justificativas utilizadas por seus autores. Bala Rocha afirma, por exemplo, que "trabalhadores que não se submetiam aos desmandos do governo federal, que visavam a minimizar a intervenção estatal na economia, eram sumariamente demitidos ou subjugados e assediados moralmente até entregarem seus empregos ou cometerem suicídios". Não se conhecem, felizmente, casos tão dramáticos.

O relator não sabe quanto seu projeto custará para o governo. O que se sabe, com certeza, é que os participantes dos programas de demissão voluntária colocados em prática no governo anterior receberam um valor que compensou sua decisão. Os exemplos apresentados pelo Estado na quinta-feira são claros. Um servidor com 24 anos de trabalho recebeu de indenização o equivalente a até 34,4 salários mensais. É esse dinheiro que, se reintegrado, o funcionário demitido terá de devolver para o governo.

Pelo projeto, ele poderá fazer isso em suaves prestações mensais. Em alguns casos, o prazo para a quitação plena da dívida chega a quase 40 anos. Ou seja, ela não será paga inteiramente pelo devedor - mas alguém pagará o saldo devedor.

Os dois projetos ainda precisam passar pelas Comissões de Constituição e Justiça e de Finanças. O deputado José Genoino (PT-SP) promete barrá-los na primeira comissão. Mas, neste ano eleitoral, projetos dessa natureza estão sendo aprovados com rapidez, com o apoio da base governista.

Tramita na Câmara outro projeto como esses, concedendo novo prazo aos demitidos durante o governo Collor que, apesar das oportunidades oferecidas por uma lei aprovada em 1994 e da possibilidade de recurso à Justiça, não conseguiram ser readmitidos no serviço público. Esse projeto está mais avançado, pois já passou pelo Senado.



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