ESTADO DE MINAS ON-LINE - 01/12/2010
Pedra no caminho dos últimos dois presidentes da República, a previdência do funcionalismo também é obstáculo à gestão Dilma Rousseff. Se quiser melhorar a qualidade das contas, reduzir o gasto com pessoal e destinar mais recursos a obras e investimentos, a presidente eleita terá de enfrentar o lobby pesado dos servidores e apoiar a aprovação do Projeto de Lei 1992, que cria a Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público (Funpresp) e está parado na Câmara dos Deputados desde 2007.
Se estivesse em vigor, a proposta poderia ajudar a estancar o rombo do sistema de pensões e aposentadorias estatal. Em 2009, o déficit foi da ordem de R$ 46,9 bilhões - 1,49% do Produto Interno Bruto (PIB). Para este ano, a estimativa oficial é de um buraco de R$ 48,5 bilhões - 1,46% do PIB.
Especialistas garantem que o principal entrave à tramitação do PL no Congresso Nacional é o entendimento que os servidores têm de que a mudança seria prejudicial às carreiras. Por meio de suas entidades sindicais, funcionários de quase todos os órgãos resistem em aceitar as alterações. O governo e os partidos da base aliada, por sua vez, cedem às pressões.
Do ponto de vista puramente financeiro, o projeto, num primeiro momento, eleva o gasto público. Cálculos do economista Marcelo Abi-Ramia Caetano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), indicam que no momento da criação do fundo a União arcará com um custo adicional de 0,1% do PIB.
A despesa aumenta porque, como patrão, o Estado terá de depositar sua parte (contribuição patronal), enquanto o empregado tem a obrigação de fazer o mesmo, ou seja, o Tesouro Nacional deixando de receber os 11% da contribuição dos novos servidores. Além de perder a cota sobre o salário que exceder o teto do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) - hoje em R$ 3. 467,40 - e também passar a contribuir para o fundo, o governo continua bancando as aposentadorias e pensões dos atuais inativos do setor público.
Como essa despesa já está na casa dos bilhões, qualquer acréscimo - os 0,1% do PIB são muitos milhões - pode pesar na conta. "O governo precisa fazer o projeto andar porque, ao longo do tempo, os benefícios aparecerão com clareza", justifica o ex-ministro da Previdência Social, José Cechin. Segundo ele, sem o fundo de pensão, a despesa com o pagamento de benefícios será crescente ao longo dos anos, com o governo arcando com o pagamento integral das aposentadorias e pensões do setor público, bastante superiores aos benefícios do INSS.
INJUSTIÇA
O economista Marcelo Abi-Ramia Caetano chama a atenção para a injustiça que o governo comete ao comprometer recursos públicos - o dinheiro do Tesouro Nacional é, na verdade, constituído de contribuições de toda a sociedade via pagamento de impostos - com parcela da população mais aquinhoada. "Ninguém tem nada com isso, se uma pessoa consegue poupar e contribuir para a sua própria aposentadoria em níveis elevados.
Mas quando é o governo que complementa essa conta, a situação muda de figura", adverte. O setor público federal gasta praticamente o mesmo que o INSS. A diferença é que o INSS paga benefícios a mais de 23 milhões de segurados, enquanto no setor público federal o universo de atendidos é de cerca de 1 milhão de pessoas. A diferença está no valor. No INSS, o benefício médio é da ordem de R$ 765. O máximo que a Previdência Social paga aos trabalhadores da iniciativa privada é R$ 3.467,40.
No funcionalismo a conta é bem diferente: dentro do Poder Executivo, a aposentadoria média é de R$ 3.967, enquanto que no Judiciário e no Legislativo o valor médio supera R$ 14 mil. MUDANÇA Com o fundo de pensão dos servidores, a conta passa a ser outra.
O governo deixará de ser responsável pelo pagamento integral da aposentadoria que superar o teto do INSS. Por isso, a despesa baixará ao longo do tempo. Pelos cálculos de Marcelo Abi-Ramia, após 20 anos da criação do fundo a despesa ainda será positiva, mas declinante. A partir da terceira década os benefícios da limitação das aposentadorias ao teto do INSS começarão a superar os custos associados à perda de arrecadação. Nessa fase, os ganhos fiscais atingirão 0,2% do PIB anualmente.
Para o ex-ministro da Previdência Social José Cechin, o que explica a enorme resistência dos servidores ao projeto que está no Congresso é o desconhecimento do que a proposta significa. "Não afeta os atuais servidores daí porque, é inexplicável, os representantes da categoria estarem defendendo futuros servidores que, na prática, não existem", completa.
De acordo com Cechin, até mesmo para os novos servidores o projeto é bom. Hoje, se um servidor for para a iniciativa privada antes de se aposentar só leva a contagem do tempo de contribuição. Como no fundo de pensão o dinheiro acumulado na poupança individualizada é do servidor, se ele deixar a administração pública levará também os recursos da conta individual capitalizada.
Na avaliação de Cechin, a elevação do gasto inicial, prevista com a criação do fundo, não pode ser usada como desculpa. "O gasto é muito pequeno frente à enorme vantagem da complementação das aposentadorias mais elevadas deixar de ser por conta do Tesouro", reforça. Além disso, conforme Cechin, com a criação do fundo, o governo estará dando um sinal importante para a solvência do Estado no futuro.
ABAIXO DA META
Apesar das manobras contábeis patrocinadas pela equipe do ministro Guido Mantega, que inflaram o resultado primário das contas públicas em quase R$ 35 bilhões este ano, o esforço fiscal feito pela União, estados, municípios e estatais nos últimos 12 meses ainda está abaixo da meta fixada para 2010.
Mesmo excluindo as empresas do grupo Eletrobrás da conta, o que reduziu a meta de economia para pagamento de juros (superávit primário) para 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB), o setor público conseguiu acumular de novembro do ano passado até outubro deste ano um superávit de 2,85% do PIB, o equivalente a R$ 99,1 bilhões.