domingo, 15 de maio de 2011

O desafio de mudar a máquina


O Estado de S. Paulo - 15/05/2011


A presidente Dilma Rousseff deu o primeiro passo para cumprir uma de suas promessas mais importantes - elevar a qualidade do gasto público e, como condição para isso, modernizar e tornar mais eficiente a administração federal. Enquanto o setor privado luta por um espaço nos mercados do século 21, o governo funciona segundo padrões incompatíveis com as demandas de um país moderno e democrático. A Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade, instalada na quinta-feira, poderá ajudar a presidente a eliminar esse descompasso entre um Brasil em busca de inovação e uma administração pública amarrada a práticas e vícios do passado. Nada garante o êxito dessa tentativa. A experiência brasileira tem sido pouco animadora nesse campo, especialmente nas últimas três décadas. Mas a presidente Dilma Rousseff decidiu apostar e descreveu a criação desse grupo como um dos momentos fundamentais para a definição dos rumos de seu governo.

Para presidir a Câmara foi convidado o empresário Jorge Gerdau Johannpeter. Três outros empresários e quatro dos principais ministros também comporão o grupo. A função desse colegiado será propor iniciativas para racionalizar a gestão federal, cortar custos e elevar a qualidade dos serviços prestados.
Gerdau terá uma sala no Palácio do Planalto, perto do gabinete da Presidente, e anunciou a intenção de passar pelo menos um dia por semana em Brasília. Não há por que duvidar da boa disposição desse grupo. Mas seus poderes serão limitados e a aplicação de seus conselhos dependerá da ação política da presidente Dilma Rousseff. É preciso dar muito peso à palavra "política". Haverá resistência às tentativas mais audaciosas de mudar os padrões da administração. Parte da resistência virá da companheirada - sindicalistas e membros do PT e dos partidos aliados.
Na história da República houve poucas tentativas sérias de reforma e de modernização da máquina federal. Os primeiros passos foram dados nos anos 30 e no começo dos 40. Na década seguinte o Estado ganhou novos instrumentos de ação, como a Petrobrás e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Mas, para executar seu plano de desenvolvimento, o presidente Juscelino Kubitschek instalou uma administração paralela, formada pelos grupos executivos setoriais. Se tentasse uma reforma, gastaria todo o mandato.
A nova tentativa de reforma ocorreu no regime militar. Além da desburocratização orquestrada pelo ministro Hélio Beltrão, houve um esforço para adoção de padrões de trabalho mais modernos e um investimento importante na formação de quadros. Muitos funcionários foram estimulados a pós-graduar-se no Brasil e no exterior. O Banco do Brasil funcionou como fornecedor de pessoal técnico para vários setores do governo.
A maior parte dos anos 80 e 90 foi desastrosa para a administração. Desmontaram-se mecanismos, maus e bons, e quase nada se fez de construtivo. Ensaios de reforma foram inócuos. Nos governos do presidente Fernando Henrique Cardoso só houve modernização por meio de privatizações, da adoção de novos critérios fiscais e do fortalecimento da política monetária. Foram grandes mudanças macroeconômicas, mas de alcance limitado pela manutenção de péssimos padrões administrativos.
Esses padrões pioraram consideravelmente nos oito anos de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os quadros do funcionalismo foram inchados. A folha de salários aumentou, sem a contrapartida de serviços mais eficientes e melhores. O aparelhamento político tornou-se regra e a companheirada espalhou-se pelos órgãos de quase toda a administração direta e indireta. Eficiência e produtividade tornaram-se blasfêmias, condenadas como sintomas inequívocos de neoliberalismo. Isso é parte importante da herança deixada pelo presidente Lula.
A presidente Dilma Rousseff participou dos dois mandatos. Deve conhecer os obstáculos políticos a qualquer tentativa séria de reforma da máquina. Por lei, funcionários e salários são quase sagrados. Além disso, qualquer plano de reforma provoca imediata mobilização em defesa de interesses corporativos e partidários. Contra isso a Câmara será impotente. Só a presidente poderá atacar a obra do antecessor.


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