domingo, 21 de agosto de 2011

'Porta giratória' tira funcionários do governo



Autor(es): Leila Suwwan
O Globo      -     21/08/2011

                                               


Servidores de alto nível transitam do público ao privado em zona cinzenta da ética

SÃO PAULO. Todos os anos, o governo perde para o setor privado funcionários de alto nível, considerados a "nata" da administração pública e que passaram anos acumulando expertise e contatos na máquina . Conhecida como "porta giratória", a rotatividade de pessoas entre o público e o privado acontece em uma zona cinzenta da ética pública. Não há dados sobre o fenômeno, mas ele permeia todos os escalões do Executivo.

Queixas de que auditores da Receita Federal se licenciam para atuar de forma oculta em favor de empresas são freqüentes. No Banco Central, os licenciados passaram a ser monitorados e desde o ano passado não há mais brecha para "oportunidades de trabalho" em bancos privados. Em ambos os órgãos, apenas a cúpula está sujeita às regras da Comissão de Ética Pública da Presidência da República.

Preocupado com essa transição problemática, um dos mais valiosos quadros da Receita Federal, Marcos Vinicius Neder de Lima, afirmou ter feito uma "quarentena voluntária" depois de pedir exoneração. Ex-subsecretário de Fiscalização, ex-coordenador de Inteligência Fiscal, e ex-integrante do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, Neder é uma espécie de "arquivo-vivo" do Fisco. Com 25 anos de carreira pública, hoje é sócio na Trench, Rossi e Watanabe Advogados, para dar consultoria e defender empresas das garras do Fisco.

- Embora não exista nenhuma restrição, eu passei quatro meses em treinamentos internos do escritório. Eu quis que a transição fosse a mais ética possível. Há colegas que advogam um dia depois de se aposentar. Outros saem, advogam e depois voltam. Eu pedi uma exoneração definitiva, abri mão da aposentadoria - disse Neder.

No Banco Central, criticado em 2006 por abrir brechas para licenciados, uma nova norma de 2010 veda licenças onde há conflitos de interesse. Hoje, 38 funcionários estão licenciados e foram obrigados a declarar suas atividades paralelas.

- Os ocupantes de cargos com acesso a informações importantes estão sujeitos à quarentena; não é o caso de todos os auditores. A exemplo do Banco Central, acho que talvez coubesse à Receita Federal aperfeiçoar seus mecanismos de controle ético - disse o secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Duvanier Paiva Ferreira.

Para um dos poucos especialistas que abordam o tema no Brasil, o professor Jorge Vianna Monteiro, da PUC-RJ e da Ebape-FGV, o problema é oculto e deve ter dimensões massivas.

- As regras no Brasil são muito frágeis. Por exemplo, há a quarentena de quatro meses, mas é absolutamente insuficiente. Ela só é válida para um pequeno grupo de administradores públicos e acaba tendo um efeito perverso, virando uma espécie de carta de alforria, e a pessoa fica "inoculada" contra acusações de lobby - explica Monteiro.

Segundo ele, uma medida mais óbvia seria vigiar a "entrada" da porta giratória, ficar atento a quem ingressa em cargos de confiança e seus interesses prévios. Ele cita o caso do ex-ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, que exercia consultoria privada, com faturamento milionário, e se recusou a declinar quem eram seus clientes.

De acordo com o Ministério do Planejamento a porta giratória é um movimento natural, que se intensifica nas trocas de governo.



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