Autor(es): Chico de Gois
O Globo - 25/09/2011
Conselho age tarde, e servidores de primeiro escalão
descumprem normas que deveriam nortear sua conduta
BRASÍLIA - Criada em 26 de maio de 1999, a Comissão de Ética
Pública, vinculada à Presidência da República, tem sua ação limitada e, muitas
vezes, ignorada pelos altos servidores públicos. Levantamento feito pelo GLOBO
nas atas do órgão em 2010 e 2011 demonstram que os conselheiros, quando
tentaram ser severos e fazer valer o Código de Conduta da Alta Administração
Federal, acabaram voltando atrás nas próprias decisões. Além disso, é comum os
conselheiros, que se reúnem uma vez por mês, só adotarem posicionamentos depois
que ministros já deixaram a função, tornando inócua a punição.
Foi o que ocorreu com a ex-ministra da Casa Civil Erenice
Guerra, que manteve parentes no governo, acusados de tráfico de influência. A
censura ética a que foi submetida só passou a valer depois que ela deixara o
governo. E a censura se deu apenas porque ela não havia entregue a Declaração
Confidencial de Informação (CDI), documento que toda autoridade é obrigada a
entregar até dez dias após empossado na função.
Por lei, a comissão não tem poder de demitir funcionários,
mas pode recomendar ao superior hierárquico do investigado que demita quem
incorrer em irregularidades éticas.
Em novembro de 2010, a secretária-executiva da comissão,
Renata Lúcia Medeiros de Albuquerque Emerenciano, chamou a atenção que 14
autoridades de primeiro e segundo escalões (ministros e secretários executivos)
não haviam entregue a DCI, apesar de reiteradas cobranças.
Pelo código, essas autoridades deveriam sofrer uma
advertência e poderiam até ser exoneradas. Mas, em fevereiro deste ano, a
comissão resolveu reconsiderar a punição, tornando-a sem efeito. Isso ocorreu
em outras situações. Nessa mesma data, os conselheiros excluíram da DCI a
necessidade de informar a origem de aplicações financeiras - o funcionário não
precisa mais justificar de onde vieram seus recursos.
Em outra medida polêmica, a comissão decidiu que os
militares não precisam se submeter ao Código de Alta Conduta. Isso ficou claro
na resposta a uma consulta do general José Elito Carvalho, em outubro de 2010,
quando ele era chefe do Estado Maior das Forças Armadas. Elito, atual ministro
do Gabinete de Segurança Institucional), argumentou que militares não
precisariam apresentar as DCIs. Os conselheiros concordaram.
Os próprios servidores de alto escalão não observam o Código
de Conduta. O ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos, que foi
secretário-executivo da pasta por quase oito anos, não havia entregue a DCI. Só
em julho, já ministro, Passos cumpriu a determinação e comissão suspendeu a
penalidade.
Até a presidente Dilma Rousseff descumpre as normas da comissão.
Em julho, o presidente da comissão, Sepúlveda Pertence, determinou que todos os
ministros e a presidente divulgassem suas agendas. Ela não atendeu. Há dez
dias, por exemplo, deu entrevista para a revista "Newsweek", mas o
fato não está registrado na agenda. Os encontros dela com o ex-presidente Lula
também não constam.
Na quarta-feira, O GLOBO enviou, por e-mail, à Comissão de
Ética perguntas sobre a eficácia dos seus trabalhos, mas não houve resposta.