segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Gargalo oculto



Autor(es): Por Ana D"Angelo
Correio Braziliense      -      07/11/2011





 Brasil S.A


Aí vem a pergunta inevitável: se tudo funcionar bem, como os políticos e os partidos vão se financiar?

É motivo de crítica constante o fato de o governo destinar parcela pequena das receitas públicas aos investimentos, aqueles destinados principalmente às obras de infraestrutura, necessárias ao escoamento da produção e à redução do custo Brasil. Não sem razão. Incentivar a atividade econômica é um dos papéis fundamentais do Estado apregoado pela Constituição, de modo a oferecer o ambiente favorável que estimule o espírito empreendedor e o desenvolvimento mais célere da economia.

Também é fato que o país consome parte da sua poupança pública com o custeio da máquina administrativa de forma desproporcional aos recursos destinados aos investimentos. Enquanto o primeiro absorve em torno de 21,5% do Produto Interno Bruto (PIB), o segundo alcançou o percentual de 5,1%% apenas em 2010, considerando o total gasto diretamente pelo governo federal, as transferências para estados e municípios e os investimentos nas estatais.

Para aumentar o total destinado a obras de infraestrutura, o governo tem que cortar as despesas de custeio, em que o gasto com pessoal tem peso considerável. Não à toa, a presidente Dilma Rousseff orientou os líderes do Congresso a aprovar ainda neste ano o projeto que cria o fundo de previdência dos servidores. O alvo é claro: com a perspectiva de aposentadoria de 40% do pessoal em atividade até 2016, a presidente pretende repor a mão de obra somente com base nas novas regras previdenciárias, para desonerar as contas públicas e, assim, sobrar mais dinheiro para investir.

O Brasil experimentou altas taxas de investimento público somente entre as décadas de 50 e 80. Entre 1995 e 1998, atingiu percentual médio de 3,6%, mas recuou para 2,73% no período de 1999 a 2006, em virtude do ajuste fiscal vigoroso necessário para conter o endividamento crescente do Estado e as crises externas. Nos últimos três anos, houve aumento significativo dos recursos destinados a melhorar a infraestrutura do país. O que pode ser reconhecido pelas grandes obras em curso. Reportagem do Correio publicada no último dia 24 mostrou que estavam em solo brasileiro 15 dos 50 maiores projetos tocados atualmente no mundo, os quais consumirão R$ 1,5 trilhão até 2016, em recursos privados e públicos.

Desafio
Porém, desde o fim da era Geisel, quando imperou a ideia de que o Estado não tinha que construir o país, o governo desaprendeu a executar grandes obras. Logo, o entrave principal não é a falta de dinheiro, mas de um sistema capaz de realizar o gasto com eficiência e rapidez. Nos últimos anos, o governo do PT investiu na contratação de pessoal e aumentou significativamente a remuneração e, assim, atraiu profissionais capacitados. Mas para fazer bem as funções tradicionais do Estado, de formulação e execução de políticas públicas, de controle e fiscalização. Não houve, porém, melhoria da estrutura de execução do investimento público.

O desafio do Brasil hoje é aumentar a capacidade de execução e implementação dos projetos de de infraestrutura. É preciso desenvolver controles inteligentes que não os emperrem. Para isso, o governo necessita de um quadro de pessoal com capacidade de formular, contratar, executar e monitorar esses projetos. Estamos falando aqui de gente qualificada nas atividades meio, para as quais foi proposta a carreira de analista executivo, de nível superior. O projeto de lei prevendo sua criação tramita no Congresso desde o primeiro semestre de 2008. A boa-nova é que o governo incluiu a criação da carreira na proposta orçamentária de 2012, embora as vagas só devam ser abertas mais adiante.

Também caberia a substituição de parte dos cargos comissionados de Direção de Assessoramento Superior (DAS) por funções comissionadas exclusivas de servidores de carreira na baixa e na média gerência, pelo menos. Mas o projeto de lei que institui a Função Comissionada do Poder Executivo (FCPE) também tramita daquele jeito no Congresso há mais de três anos.

Uma vez tendo pessoal capacitado, será necessário rever processos de contratação de obras, de licitação, de licenciamento ambiental etc. Tudo isso também já é objeto de propostas de alteração em trâmite na Câmara e no Senado, mas andam a passos de tartaruga desde 1997. Esses mecanismos revistos, ao eliminar dificuldades, dariam fim também à venda de facilidades. Execuções regulares rápidas se prestarão menos aos negócios de ocasião.

Corrupção
O governo Dilma fala em prioridade para a gestão, mas tem se dedicado a outras agendas no Congresso, como a lei de acesso à informação, que conta com o apoio da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), e outras que vêm de fora. Elas são válidas, mas, se o maior deficit é de capacidade executiva e não de transparência, a prioridade tem que ser no sentido de resolver esse gargalo maior. Até porque a melhora no sistema de execução dos recursos dificulta a corrupção, alvo da pauta da transparência.

Bom lembrar que todas essas questões se aplicam aos três níveis de governo — federal, estadual e municipal — gerenciados por todos os partidos políticos do país. É certo que parte da administração pública funciona com aquela máxima de criar dificuldade para vender facilidade. Mas não é razoável que os custos do sistema de controle sejam acima do que se esvai pelo ralo da corrupção. O nó a ser desatado é que os grandes esquemas de desvio de dinheiro público não são individuais, mas envolvem financiamentos de campanha eleitoral, como os dos tucanos em São Paulo e em Minas e o do mensalão do PT.

Aí vem a pergunta inevitável: se tudo funcionar bem, como os políticos e os partidos vão se financiar? Deve ser por isso que as prioridades não estão sob o foco certo.


Ana D"Angelo é repórter de economia



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