Antônio Augusto de Queiroz*
DIAP - 30/09/2011
O projeto de lei (PL 1.992/07) que institui a previdência
complementar e cria o fundo de pensão dos servidores públicos passou a tramitar
em regime de urgência constitucional, conforme mensagem da presidente Dilma
enviada ao Congresso, pela qual a matéria deverá ser apreciada em 45 dias sob
pena de bloqueio da pauta do plenário.
A condução desse tema pelo governo não tem sido das
melhores, por várias razões.
Em primeiro lugar pela incoerência de reduzir receita e
aumentar despesa num momento em que o governo promove um duro ajuste fiscal,
com o congelamento do salário de servidores, não contratação de concursados e o
adiamento ou suspensão de concursos públicos este ano.
Em segundo lugar pela afronta que a transformação do projeto
em lei representa para os servidores públicos, incluindo o modo como a matéria
foi conduzida na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público.
Em terceiro porque o governo não se entende sobre o assunto,
com uma parte abrindo negociações com os servidores, como no caso da
Secretaria-Geral da Presidência, que inclusive realizou seminários conjunto com
o fórum que representa as carreiras exclusivas de estado, o Fonacate, e outra
parte, no caso o Ministério da Previdência Social, solicitando urgência para
votação do projeto.
Em quarto lugar porque o fundo oferta o pior dos planos de
benefícios, que é o de contribuição definida, exatamente aquele cujo risco é
todo do participante e a complementação da aposentadoria depende do resultado
das aplicações financeiras, sem qualquer solidariedade do patrocinador.
Se ao menos garantisse o plano de benefício definido, que
assegura ao participante a complementação contratada, independentemente de
oscilações e crises no mercado financeiro. No momento da aposentadoria, por
este plano, o servidor terá assegurada a complementação contratada, ainda que
ao longo do tempo tivesse variação em sua contribuição e na do patrocinador,
para maior ou para menor.
Na Previ do Banco do Brasil, por exemplo, não apenas os
funcionários com planos de beneficio definido estão há anos sem contribuir,
pela excelente situação do plano, como tem recebido parcelas do superávit do
fundo. Mas esses funcionários ingressaram na previdência complementar num
período em que o marco legal era outro e o patrocinador podia, sem qualquer
impedimento, contribuir com quantas vezes quisesse mais que o participante.
E em quarto, isto é mais grave, com manipulação de
informações.
As simulações apresentadas pelo Ministério da Previdência em
defesa do projeto, segundo informações seguras, não consideram a paridade de
contribuição, de 7,5% do participante e 7,5% do governo.
O cálculo apresentado considera 7,5% do governo, como
patrocinador, e 11% do servidor público, como participante. Isso não é correto.
Se a simulação fosse paritária, com o limite de 7,5% de cada, a complementação
seria irrisória.
A Anfip - Associação dos Auditores Fiscais da Receita
Federal do Brasil fez o cálculo com as contribuições paritárias, de 7,5% cada
(participante e patrocinador), e chegou à conclusão que o servidor que
contribuir durante 35 anos terá direito a uma complementação de 80% de sua
última remuneração pelo prazo máximo de onze anos.
Como em nosso sistema previdenciário as mulheres se
aposentam cinco anos mais cedo do que os homens, tanto em idade quanto em tempo
de serviço, elas terão que trabalhar pelo menos cinco anos a mais para poder
usufruir por onze anos do benefício complementar. Se for professora terá que
trabalhar mais dez anos ou receber um benefício complementar insignificante.
Em outras palavras, um servidor (homem ou mulher) que se
aposentar aos 60 anos de idade e 35 de contribuição só terá sua complementação
até os 71 anos, passando, após essa idade, a viver exclusivamente com o
benefício do regime próprio, que fica limitado ao texto do INSS, atualmente de
R$ 3.689,66.
Não bastasse tudo isto, ainda existe a suspeita de que o
projeto pode favorecer o mercado financeiro, já que o artigo 15 do substitutivo
aprovado na Comissão de Trabalho prevê a contratação de instituições
financeiras para administrar a carteira de valores mobiliários, podendo cada
contratada aplicar até 40% de todas as reservas e recursos garantidores do
plano de benefício.
O projeto, que ainda deveria passar por três comissões -
Seguridade; Finanças e Tributação; e Constituição e Justiça - poderá ser votado
em plenário a qualquer momento. Se não houver um recuo do governo ou mudanças
significativas no texto, a previdência complementar será aprovada com todas
essas implicações e porá fim à aposentadoria integral do servidor.
(*) Jornalista, analista político, diretor de documentação
do Diap, colunista da revista "Teoria e Debate" e do portal Congresso
em Foco, autor dos livros "Por dentro do processo decisório - como se
fazem as leis", "Por dentro do Governo - como funciona a máquina
pública" e "Perfil, Propostas e Perspectivas do Governo Dilma".