sábado, 28 de janeiro de 2012

Corrupção e ineficiência sistêmica



Fábio Medina Osório
Correio Braziliense      -     28/01/2012





Advogado, é presidente do Instituto Internacional de Estudos de Direito do Estado
No mundo globalizado há uma preocupação crescente da sociedade com relação à corrupção. Daí porque existem organismos internacionais que se dedicam a medir essa patologia por meio de critérios que dependem de formadores de opinião, como é o caso da Transparência Internacional, do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Organização das Nações Unidas (ONU). Trata-se de fenômeno até agora muito difícil de medir e os critérios adotados podem, inclusive, ser questionados exatamente pelos que formam a opinião.

Pode ocorrer o paradoxo, por exemplo, de a mídia expor mais intensamente pautas de escândalos públicos, gerando a impressão de que eles aumentaram, quando, na realidade, pode ter aumentado, isso sim, a intensidade dos holofotes sobre as práticas não republicanas. Também pode ocorrer que a exposição pública tenha relação estreita com aumento significativo das práticas desonestas no setor público. Não há critérios suficientes para essa medição científica, na falta de uma agência independente e autônoma para essas estatísticas, que não têm sido um foco central de outras instituições.

Para medir o problema, há uma primeira dificuldade: definir conceitualmente corrupção e criar prioridades e critérios para diferenciá-la de ilegalidades. Para muitas das instituições internacionais, por um prisma sociológico, o conceito abarca simplesmente o uso de poderes públicos para alcançar fins privados. Tal espécie de simplificação traz consigo o risco de misturar práticas muito diversas entre si, tais como qualquer tipo de aparente favorecimento indevido no setor público, o desvio de poder, o desvio de finalidade, a violação às regras de competência e até mesmo uma enorme gama de ilegalidades tratando de conflitos de interesses explícitos ou implícitos. Ou seja, nesse amplo conceito, é possível mesclar situações extremamente distintas e produzir perplexidades insuperáveis. 

É o que vem ocorrendo, aparentemente, não raro, com a incidência da Lei 8.429/92, que busca combater improbidade administrativa.

No entanto, há outro fenômeno, que diz respeito muito mais de perto a países em desenvolvimento, ligado indiretamente a práticas de enriquecimento ilícito no setor público, que talvez mereça, cada vez mais, uma atenção intensa das autoridades públicas e da própria opinião pública. Sabe-se que esse fenômeno, por si só, é causa de prejuízos imensos à sociedade e aos cofres públicos, talvez muito maiores do que os derivados das práticas definidas como corruptas. Trata-se da ineficiência endêmica ou sistêmica.

A desorganização institucionalizada, sistematizada, endêmica deve ser objeto de atenção dos órgãos públicos e fiscalizadores porque envolve práticas de desperdício profundo dos recursos públicos. Ademais, cria ambientes férteis para práticas desonestas e falta de controles internos ou externos, ausência de transparência e pouca efetividade dos mecanismos de contenção e prevenção. Não há dúvidas de que se trata de uma agenda extremamente importante.

Não se pode aceitar que qualquer setor fique imune a regras de transparência e controles internos e externos adequados. Imperioso fomentar níveis adequados de monitoramento dos resultados e dos desvios. O setor público não pode, evidentemente, constituir uma agenda instrumentalizada em favor de interesses subalternos, mas essa percepção deve adentrar as estruturas institucionais. Isso não significa ficar refratário à agenda da iniciativa privada: ao contrário, os interesses podem e devem ser convergentes, interesses públicos, privados, gerais, coletivos, difusos, na medida do possível e do ponderável.

Repare-se no caso das agências reguladoras. Sua eficácia, operacionalidade e atuação dependem, em última análise, de orçamentos adequados, independência das autoridades, mandatos autônomos e longevos o suficiente para assegurar-lhes distanciamento em relação ao poder político e econômico, distanciamento que não signifique isolamento da burocracia. O mesmo se diga dos tribunais administrativos de uma nação: dependem de mandatos longevos, critérios adequados para escolha dos membros e controles técnicos nas nomeações, além de toda uma agenda de compromissos com transparência e produtividade. Pode-se medir o grau de desenvolvimento de um país pelas estruturas institucionais vigentes.



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