FÁBIO FABRINI
O Estado de S. Paulo
- 13/02/2012
Máquina viciada. Em vez de se dedicar exclusivamente a
fornecer técnicos para acompanhamento de obras, contratos da Fundação Ricardo
Franco com Secretaria de Portos e Dnit são usados para empregar mão de obra
terceirizada para serviços administrativos
BRASÍLIA - Convênios contratados para melhorar a gestão e
dar ritmo às obras de infraestrutura do Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC) estão servindo de guarda-chuva para contratar funcionários
administrativos terceirizados, como secretárias e recepcionistas, além de
assessores para cuidar de pleitos de deputados e senadores em órgãos como a
Secretaria de Portos da Presidência (SEP) e o Departamento Nacional de
Infraestrutura de Transportes (Dnit).
Pasta com 131 servidores públicos - a maioria comissionada
-, a SEP mantém em Brasília uma lista de funcionários da Fundação Ricardo
Franco (FRF), entidade sem fins lucrativos ligada ao Instituto Militar do
Exército (IME), graças a um convênio de R$ 20 milhões, assinado em outubro.
O objetivo é monitorar ações do PAC e apoiar, na área de
engenharia, a execução de programas. Mas, além do pessoal técnico, funcionários
trabalham no apoio administrativo em quase todos os setores do órgão, como a
coordenação-geral, o protocolo e até o gabinete do secretário executivo, Mário
Lima Júnior, signatário da parceria.
Embora se trate de um pacote de serviços técnicos a cargo da
fundação, a entidade admite pessoal mediante indicação da Secretaria de Portos
para cargos que pouco podem contribuir para a aceleração do PAC. Entre eles,
constam parentes de servidores da pasta. O decreto 7.203/2010, da Presidência,
proíbe a contratação, para um mesmo órgão, de familiares de funcionários
públicos, mesmo quando terceirizados.
Na quarta-feira, o Estado telefonou para o escritório da
fundação em Brasília como se fosse alguém procurando emprego e perguntou sobre
a possibilidade de uma vaga de recepcionista, secretário ou auxiliar
administrativo na SEP. "Na verdade, é a própria secretaria que encaminha,
direciona os funcionários. Não é a gente que contrata", disse o
funcionário da fundação.
Na área responsável pelas contratações da SEP, é uma
empregada da fundação, com função de secretária, quem avisa que fica mais fácil
conseguir uma vaga se tiver algum conhecido já empregado. "Traz o seu
currículo. Você é amigo de alguém aqui?" No gabinete do secretário executivo,
vários funcionários administrativos têm vínculo com a fundação. Nos Recursos
Humanos, Patrícia Ribeiro de Sousa - com cargo comissionado de assessora,
segundo o Portal da Transparência - é irmã da secretária Alzenira Ribeiro de
Sousa, que está na folha salarial da entidade. As duas estão na lista
telefônica da pasta.
Auditoria. A Ricardo Franco também cedeu 77 funcionários ao
Dnit, a título de lidar com projetos básicos e executivos de engenharia. Uma
auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), concluída em janeiro, constatou
que havia pessoal espalhado por inúmeros setores, como a Comissão de Licitação,
a Auditoria Interna e até a Corregedoria. "Os alocados na DG
(Diretoria-Geral) realizam trabalhos de assessoria, respondendo aos órgãos de
controle e filtrando pleitos parlamentares."
"É uma espécie de barriga de aluguel. Você usa para
colocar quem quiser dentro", comparou o ministro José Jorge, do TCU, ao
avaliar o caso da SEP. Segundo ele, parcerias como essa, de cooperação
técnico-científica, devem ser voltadas para seus objetivos específicos.
Os auditores chamam os funcionários de
"quarteirizados", por causa do atípico processo de contratação. Para
a execução do projeto, o Dnit repassa recursos ao Departamento de Engenharia e
Construção do Exército (DEC), que o transfere à fundação, a quem cabe fornecer
o pessoal. Essa operação é que é chamada de quarteirização.
O procurador do Ministério Público no TCU, Marinus Marsico,
diz que vai solicitar os documentos do convênio da SEP para eventual
investigação. Ele explica que, para atividades típicas de Estado, o governo é
obrigado a abrir concurso. Para funções que não têm a ver com a finalidade do
órgão público, como limpeza, segurança e algumas tarefas administrativas
simples, admite-se a terceirização, mediante concorrência para contratação da
empresa fornecedora dos serviços. "O uso generalizado das fundações tem
por objetivo contornar as imposições da Lei de Licitações", observa.