Suely Caldas
O Estado de S. Paulo - 05/03/2012
Na mesma semana em que a Câmara dos Deputados aprovou o
Fundo de Previdência Complementar dos Servidores Públicos Federais (Funpresp),
esquentou a pesada disputa por cargos de direção no Banco do Brasil (BB) e no
seu fundo de pensão, a Previ. Oportuna, a coincidência dos dois eventos é uma
espécie de trailer do que pode vir a acontecer na gestão dos três fundos de
Previdência - do Judiciário, do Executivo e do Legislativo -, caso o Senado
deixe frouxas as políticas de investimento e o modelo de gestão do patrimônio
financeiro. Os futuros servidores precisam ficar todo o tempo de olhos bem
abertos e fiscalizar com lupa a gestão do seu patrimônio, se não quiserem ver
seus benefícios encolherem na hora de requerer sua aposentadoria.
No tiroteio entre o presidente do BB, Aldemir Bendine, e o
presidente da Previ, Ricardo Flores, ambos lutam por mais poder nas duas
instituições públicas e bilionárias. Temendo consequências graves e lesivas
para os acionistas do BB e para os cotistas da Previ, a presidente Dilma interveio
para tentar acabar com a guerra, até agora sem sucesso. É o que ocorre quando
uma instituição pública, que precisa ter gestão técnica e profissional, é
partidarizada e sofre interferências políticas em suas ações e decisões. E é o
que tem ocorrido amiúde desde 2003, quando o PT assumiu o governo e passou a
distribuir cargos para companheiros e partidos aliados.
No caso do Funpresp, disputas políticas podem ser ainda mais
lesivas para os funcionários, porque os três fundos - do Executivo, do Legislativo
e do Judiciário - têm tudo para acumular, no futuro, um patrimônio financeiro
ainda mais bilionário do que tem a Previ hoje. Na verdade, ao contrário dos
atuais servidores, os futuros cotistas do Funpresp não podem ignorar a
qualidade da gestão dos recursos dos fundos. Se não fiscalizarem, não zelarem
pelo patrimônio, não denunciarem fraudes, não se protegerem contra
interferências políticas, eventuais prejuízos, déficits ou rombos decorrentes
de má gestão serão debitados do valor de sua aposentadoria no futuro.
Como no caso da guerra BB-Previ, o que esperar se ministros
do Supremo Tribunal Federal (STF) divergirem na escolha dos dirigentes do
fundo? Ou se houver a mesma disputa entre os presidentes do Senado e da Câmara
dos Deputados? Ou se um político poderoso pressionar para socorrer um
empresário falido, mas amigo, em aplicações financeiras? Ou, ainda, se quiser
favorecer doadores de campanha usando dinheiro e negócios do fundo? A lista de
possibilidades é longa e o espírito público dos políticos é curto. A solução,
pois, seria adotar o modelo original das agências reguladoras, garantindo
profissionalização e autonomia na gestão, e fortalecer os fundos com regras e
critérios de aplicação dos recursos capazes de blindá-los contra interferências
políticas.
Essa proteção não foi assegurada no projeto que saiu da
Câmara e que define três modelos de gestão: o patrimônio é administrado por
instituições financeiras especializadas; ou por fundos de investimento; ou,
como nas estatais, por um conselho de administração e uma diretoria executiva
cujos integrantes são indicados pela empresa ou eleitos pelos funcionários - em
geral dirigentes sindicais ligados a partidos e sem preparo técnico para fazer
render dinheiro. Como o novo ministro da Pesca, o evangélico Marcelo Crivella,
que confessa: "Nem sei colocar minhoca no anzol".
Ex-sindicalista e relator do projeto na Câmara, o deputado
Ricardo Berzoini (PT-SP) defende o terceiro modelo com o argumento de que ele
já é aplicado com sucesso nos fundos de estatais. Sucesso? Como acionista
controlador, o governo sempre interferiu nos negócios dos fundos de estatais.
Poucos bem-sucedidos, como a compra da Vale; outros, desastrosos, como os
investimentos da Previ na Paranapanema e no complexo turístico de Sauípe, que
resultaram em prejuízos milionários. Em 2006 a CPI dos Correios apurou perdas
de R$ 730 milhões em fundos de estatais decorrentes de operações fraudulentas
para favorecer partidos políticos. É isso que o Congresso quer para o Funpresp?
Suely Caldas
JORNALISTA, PROFESSORA DA PUC-RIO