Blog do Noblat
- 02/03/2012
Merval Pereira, O Globo
A aprovação na Câmara do projeto que institui novas regras
para a aposentadoria dos servidores públicos é um passo importante para
equilibrar as contas no sistema previdenciário brasileiro. E deve ser saudada
como a concretização de uma política de Estado de reforma do sistema
previdenciário que atravessa quatro governos, dois tucanos e dois petistas.
Desde 1995 os governos vêm perseguindo reformas do sistema
previdenciário, tendo conseguido avanços quanto aos servidores privados, mas
encontrando resistências corporativas e sindicais quando se trata do servidor
público.
Foi aprovada no final do primeiro governo de Fernando
Henrique Cardoso a legislação que passou a permitir a criação de fundos de
previdência complementar para os servidores públicos através de lei
complementar, mas somente em 2003, já no governo Lula, uma lei nesse sentido
passou no Congresso.
A reação dos sindicatos e corporações foi tamanha que o
então presidente Lula desistiu de regulamentar a lei, que não entrou em vigor.
Esse episódio, aliás, foi decisivo para que Lula abandonasse o ímpeto
reformista com que assumiu o Palácio do Planalto. Ele, a partir do desgaste que
sofreu em sua base política, desistiu dessa e de outras reformas estruturais.
Agora, a presidente Dilma aproveita a boa fase da economia
para afinal regulamentar o funcionamento dos fundos de pensão para os três
poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário.
A necessidade da reforma fica patente quando se analisam os
números do sistema previdenciário brasileiro: pelo quarto ano consecutivo, o
déficit da previdência dos servidores públicos federais superou o rombo do
Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que se refere aos trabalhadores da
iniciativa privada.
O déficit do sistema do funcionalismo público cresceu 9,8% de
2010 para 2011, totalizando R$56 bilhões para atender cerca de um milhão de
servidores, e o do INSS — que atende cerca de 29 milhões de pessoas — foi
reduzido em 22,3%, fechando o ano no menor patamar desde 2002, com cerca de R$
36 milhões.
Para este ano, a previsão é de um déficit da previdência dos
servidores públicos de R$ 60 bilhões, enquanto o do INSS deve se manter no
mesmo nível do ano passado.
O economista Fábio Giambiagi, especialista em Previdência,
considera que o Fundo de Previdência dos Servidores Públicos é uma excelente
iniciativa do Executivo que, ele confessa, o surpreendeu positivamente, “pois
não esperava no começo do ano que o governo fosse se empenhar tanto na sua
aprovação”.
O fato de a maioria do PSDB ter votado a favor, repetindo um
padrão de comportamento que já tinha sido observado por ocasião da reforma
previdenciária de Lula em 2003, é indicativo de que deveria haver um espaço
para o PT e o PSDB se entenderem minimamente em relação a certas questões de
Estado, diz Giambiagi.
Mas ele ressalta que “é uma pena, porém, que em São Paulo, a
nível estadual, o PT não tenha tido a mesma atitude em relação à proposta do
governador Alckmin, em essência a mesma que o governo está tentando implementar
a nível federal”.
Por outro lado, ele lembra que, por mais meritória que seja
a proposta a longo prazo, é importante que fique bem claro que a rigor, nos
próximos anos, ela terá um efeito negativo sobre as contas fiscais, pelo fato
de que o governo deixará de receber a receita de contribuições que exceder o
teto do INSS, ao mesmo tempo em que terá que passar a contribuir com a parcela
do empregador para o Funpresp.
“Por muitos anos, portanto, haverá um efeito duplamente
negativo, que será diluído e depois revertido daqui a algumas décadas, quando o
teto de todas as aposentadorias for igual ao do INSS.”
Outro especialista, Fabio Zambitte, mestre em Direito
Previdenciário, autor do livro recém-lançado “A previdência social no Estado
contemporâneo”, defende o fim dos regimes diferenciados para servidores, pois
“não há razão para a divisão”.
Na verdade, ele lembra que a origem dessa divisão é
histórica, pois a aposentadoria de servidores possuía a natureza jurídica de
prêmio, já que a função pública nada mais era do que uma delegação real. “Era
um prêmio pela atividade leal ao Rei.”
Após a reforma de 2003, com a consolidação no Brasil do
modelo contributivo também para os servidores, “o melhor seria a unificação”.
Ele admite que a proposta é ousada, “pois a segregação em
regimes diferenciados, também pelos mesmos motivos históricos, é a regra mundo
afora. Todavia, se os riscos são os mesmos (doença, idade avançada, morte
etc.), não há motivo para distinções”.
O fundo dos servidores é um primeiro passo nesse sentido,
“pois nivelará os benefícios do regime geral com os regimes próprios”.
No seu livro, Zambitte propõe, em linhas gerais, adotar um
modelo universalista, como primeiro pilar, com garantia universal de benefícios
em determinadas contingências (idade avançada, doença etc.), financiado por
impostos. “Não estabeleço um patamar remuneratório determinado, pois isso
dependerá de quanto a sociedade estará disposta a financiar, e deverá ser
fixado pelo Parlamento”, esclarece o autor.
Um segundo pilar, igualmente compulsório, complementaria o
primeiro, visando atender, além do mínimo existencial, algum grau de bem-estar
compatível com a vida ativa da pessoa. “O financiamento seria por adicional de
imposto de renda, viabilizando a tributação de acordo com a renda e, então,
fixando o benefício de acordo com o custeio individual.”