Guilherme Amado
Correio Braziliense
- 29/03/2012
O estágio no
Itamaraty começa pelo subsolo
Uma medida polêmica do Ministério das Relações Exteriores
determinou a entrada de 1.700 estagiários, contínuos e terceirizados pelo
subsolo do prédio, na Esplanada. Com problema no joelho, a estudante Thabata
Norrana foi barrada na portaria e teve que descer a escada até a garagem. O
Itamaraty alega questões de segurança
Estudantes, contínuos e terceirizados só podem entrar no
Ministério das Relações Exteriores por um acesso na garagem. A restrição atinge
quase a metade dos funcionários do órgão, com a justificativa de garantir a
segurança do prédio
O Ministério das Relações Exteriores proibiu estagiários,
contínuos e funcionários terceirizados de usarem o acesso principal do
Itamaraty, obrigando-os a só entrarem no prédio pelo subsolo, em uma entrada ao
lado da garagem. A discriminação é exclusiva para esse grupo de pessoas, que
corresponde a cerca da metade do total de trabalhadores do ministério. Entre os
terceirizados estão faxineiros, motoristas e recepcionistas. Ouvidos pelo
Correio, os funcionários criticaram a decisão, tomada há um mês, quando o
Itamaraty mudou as regras do acesso de pessoas ao prédio.
As três categorias que agora só podem entrar pelo subsolo
totalizam, segundo o ministério, 1.700 pessoas. Embora tenham que passar o
crachá e colocar a digital no sistema de identificação, que existe em qualquer
entrada do Itamaraty, os funcionários relacionados têm sido barrados em todas
as outras portarias. Além da inconveniência, por ser uma entrada mais distante
das paradas de ônibus próximas, a mudança fez com que alguns estagiários se
sentissem discriminados. "Eu tentei entrar pelo acesso principal e fui
barrada. A segurança perguntou se eu era estagiária. Quando disse que sim, ela
me respondeu que minha entrada era pela garagem. Questionei que aquilo era
discriminação. Ela disse que sim, era discriminação mesmo", critica a
estagiária de tradução Carolina Santana.
Estudante de administração, a estagiária Thabata Norrana
também reclamou da medida. Na semana passada, com o joelho machucado, ela
tentou usar o acesso superior do Anexo I para não ter que descer a escada que
liga o nível da Esplanada com o subsolo pelo qual os estagiários devem entrar.
Impedida pelo segurança, apesar da alegação de que não podia flexionar o
joelho, a estagiária teve que entrar pela garagem. "Isso é um apartheid.
Estão segregando alguns funcionários, dizendo ser por segurança, mas não tem
lógica alguma, já que, lá dentro, continuamos tendo acesso aos mesmos
lugares", defendeu a estagiária.
Alguns funcionários também reclamam do fato de terem que
sair pelo subsolo à noite. "Tem dias que eu saio às 21h, está tudo escuro
e tenho que ir andando até a parada de ônibus. Fico com medo. Pela outra
entrada, era mais simples", lamentou uma terceirizada que não quis se
identificar. O MRE tem pelo menos outras três entradas públicas de acesso. Uma,
inclusive, no único prédio em que estagiários, contínuos e terceirizados podem
entrar, só que em andar superior. Há também os acessos exclusivos a
autoridades.
Entre os funcionários terceirizados, o clima é de
conformismo. Duas recepcionistas que também pediram para não terem seus nomes
divulgados acharam normal a medida do ministério. "Em outras empresas, é
comum que nós entremos pela entrada de serviço. Já estou acostumada",
afirmou uma delas.
Sem transparência
Uma das críticas mais recorrentes em relação à mudança é
sobre a falta de transparência do ministério ao tomar a medida. Embora os
estagiários tenham um e-mail funcional da pasta, não foi enviado nenhum
comunicado sobre a alteração. "Só ficamos sabendo quando os servidores nos
avisaram porque não temos acesso à intranet. Na prática, quase todo mundo só
soube quando foi barrado em outra portaria. Foi constrangedor", contou
outra estagiária que também pediu anonimato.
A insatisfação com a situação dos colegas também chegou aos
diplomatas e oficiais de chancelaria, inconformados com a situação. "Fui
estagiário por dois anos aqui no Itamaraty e isso nunca aconteceu. Sempre
entramos por qualquer lugar e sempre fomos tratados da mesma forma que todos os
funcionários. Isso é ridículo", afirmou um assistente de chancelaria.
Sindicato não vê problema
O Sindicato de Empresas de Asseio do Distrito Federal não
viu problemas na regra do Ministério das Relações Exteriores. Segundo a diretora
executiva do sindicato, Isabel Maria Donas, não caberia ao sindicato falar
sobre as condições de trabalho da categoria. "O Itamaraty é quem faz as
regras dele, eu não tenho que palpitar. Acho normal porque todo lugar tem
acesso social e acesso de serviço, não é? Qual é o problema?", perguntou
Isabel.
Livre acesso em outros órgãos
O Itamaraty negou que haja qualquer discriminação contra
estagiários, contínuos ou terceirizados. Segundo a assessoria de imprensa, o
novo procedimento de entrada entrou em vigor com o objetivo de melhorar a
segurança dos prédios que compõem o ministério. Todos os dias, cerca de 3.400
pessoas frequentam a pasta, sendo metade delas de servidores com vínculo
permanente. Somente esses, de acordo com a nova regra, estão autorizados a
entrar por qualquer portaria.
Em outros ministérios, como o da Justiça, e no Palácio do
Planalto, não existe a diferenciação. Todos os funcionários, de qualquer
condição social ou vínculo empregatício, podem entrar por todos os acessos,
exceto os privativos da presidente ou dos ministros.
"Os estagiários, contínuos, motoristas e funcionários
de limpeza, que são uma camada mais volátil, que não têm vínculo permanente com
o ministério, muitas vezes chegam sem crachá e têm que fazer um provisório. Por
isso, eles têm uma entrada específica", explicou a assessoria de imprensa
do Itamaraty. Segundo funcionários, a afirmação não se sustenta diante do fato
de todos eles terem crachá e digitais registradas no ministério. A entrada
poderia, portanto, ocorrer em qualquer portaria.
O ministério alega ainda que os estagiários demoram algumas
semanas para receberem um crachá. Por isso, devem entrar pelo subsolo, onde há
estrutura para emitir um crachá provisório. Novamente, estagiários confrontam a
afirmação. "Nós poderíamos entrar só nesse período pelo subsolo, e não
para sempre", critica uma estagiária que pediu anonimato.
O ministério rebateu a afirmação sobre falhas ao comunicar
as mudanças. "Avisamos as chefias para que avisassem seus subordinados e
enviamos e-mails", justificou a assessoria de imprensa. Sobre o relato da
estagiária machucada, o Itamaraty negou, mesmo sem consultar a segurança
predial, e afirmou que "exceções são abertas a todo o tempo"