ANA D’ANGELO
Correio Braziliense
- 15/03/2012
Previdência e Planejamento apertam o cerco sobre servidores,
mas esquecem as chefias
Enquanto os ministérios da Previdência Social e do
Planejamento apertam os servidores efetivos que acumulam mais de um cargo ou
benefício previdenciário, do outro lado da Esplanada, a Secretaria Nacional do
Tesouro Nacional (STN), subordinada ao Ministério da Fazenda, tenta arrumar uma
brecha para manter as benesses de um de seus membros da cúpula.
Alçado a membro de comitê de auditoria do Banco de Brasília
(BRB) no início de 2011, sem pedir autorização ao ministro Guido Mantega, com
remuneração mensal de R$ 16,4 mil, o subsecretário de Política Fiscal do
Tesouro, Marcus Pereira Aucélio, servidor de carreira, recebe ainda jetons de
outros dois conselhos da Petrobras (fiscal) e da AES Eletropaulo (conselho
administrativo). Com isso, ele embolsa remuneração total mensal de R$ 51 mil.
Sem contar outro extra de mais de R$ 20 mil como suplente no conselho fiscal da
mineradora Vale, ao participar de algumas reuniões no lugar do titular, como
aconteceu em 2011.
A Controladoria-Geral da União (CGU) cobra explicações da
Fazenda sobre os jetons recebidos por Aucélio desde a primeira quinzena de
janeiro, quando o Correio publicou reportagens sobre a farra dos conselhos de
empresas em que a União tem algum tipo de participação. Esses extras têm
elevado os salários de ministros e de autoridades da Esplanada para valores
entre R$ 32 mil e R$ 51 mil, acima do teto de R$ 26,7 mil do funcionalismo.
Por enquanto, a única resposta que a CGU recebeu da Fazenda
é que o assunto foi encaminhado ao Ministério do Planejamento, porque, segundo
parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), cabe à pasta de
Miriam Belchior, que administra o sistema de pessoal civil, dirimir as dúvidas
e firmar entendimentos quanto à aplicação da legislação de pessoal.
Embora já dure mais de um ano, a Fazenda admitiu desconhecer
a base legal do serviço extra de Aucélio no BRB durante seu expediente no
Tesouro. A procuradora-geral da Fazenda Nacional, Adriana Queiroz de Carvalho,
recebe jeton de R$ 4,1 mil por participar do Conselho de Administração do Banco
do Brasil.
Peripécias
O Planejamento informou que a Fazenda fez um único
questionamento genérico: a legalidade da participação de analistas de finanças
e controle em comitês de auditoria de instituições financeiras federais e
estaduais. Nada mencionou sobre o caso concreto do subsecretário e nem sobre a
remuneração de outros três conselhos. Decreto presidencial limita o recebimento
de jetons por servidores públicos a, no máximo, dois conselhos. O Planejamento
informou que está finalizando a resposta, que também é genérica, para enviar à
Fazenda. Já CGU disse continuar à espera dos esclarecimentos para tomar as
providências cabíveis.
A Lei 8.112, que rege a vida funcional do servidor público,
permite ao servidor acumular o cargo efetivo com a participação em conselhos
administrativo e fiscal de empresas em que a União tem participação direta ou
indireta. O estatuto dessas companhias preveem a assento de representante do
governo federal nos respectivos conselhos. Não é o caso do BRB, que não tem
participação da União.
O artigo 17 da Lei 11.890, de 2008, que trata da carreira de
gestão, caso dos servidores da STN, admite, no regime de dedicação exclusiva, a
atividade esporádica a título de colaboração em assuntos da especialidade do
servidor, devidamente autorizada pelo ministro da Fazenda.
O mandato de Aucélio no BRB é por três anos. Graduado em
Engenharia Florestal e servidor concursado da carreira de analista de controle,
ele não possui especialização em auditoria de instituição financeira. Responsável
pela liberação de recursos do Tesouro, Aucélio tem pós-graduação em Economia do
Setor Público e MBA de Finanças pelo Instituto Brasileiro de Mercado de
Capitais (Ibmec). Informado sobre as peripécias de seu funcionário e de outros
servidores da pasta, o ministro Mantega já disse que não deu autorização a eles
para que inflassem os salários, a ponto de estourar o teto constitucional.
Para não endossar a existência de irregularidades e manter o
bico de Aucélio, a Fazenda terá que fazer muito esforço.
O Comitê de Auditoria detém informações de todas as áreas do
BRB, incluindo a captação de títulos públicos do Tesouro Nacional, sob a
responsabilidade de um colega de Aucélio, o também subsecretário Paulo Valle,
que participa de dois conselhos e recebe acima do teto do funcionalismo.
Pente-fino na dupla remuneração
O governo federal está concluindo a implantação de um
sistema de cruzamento de dados da ficha funcional dos 11 milhões de servidores
do país, incluindo as esferas federal, estadual e municipal. O projeto piloto
começa no segundo semestre no Distrito Federal. O objetivo é descobrir aqueles
que acumulam mais de um cargo público indevidamente e os que já recebem
aposentadoria ou pensão que, somada à remuneração do trabalho, leve o
vencimento a ultrapassar o teto do funcionalismo, de R$ 26,7 mil. Um
levantamento preliminar já apontou 28 mil pessoas em situação irregular. Até o
fim do ano, o sistema estará funcionando em todos os estados e nos 50 maiores
municípios do país.
R$ 51
mil
Salário mensal recebido por funcionários do Tesouro ao
engordarem os rendimentos com jetons pagos por estatais
Sobrou até para o BC
Apesar do enorme constrangimento criado pelos
subsecretários, que insistem em desrespeitar o teto salarial do funcionalismo,
a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) não tem se esforçado para dar
explicações. Nem mesmo aos servidores da casa, que reivindicam transparência e
adoção de critérios técnicos para designação de representantes da União em
conselhos de empresas estatais e privadas, o órgão simplesmente optou por um
silêncio ensurdecedor. No passado, quando a participação nos conselhos não era
remunerada, a cúpula do Tesouro designava servidores de baixo escalão para
ocupá-los.
O comando da STN recebeu uma série de questionamentos do
quadro de pessoal depois de uma série de reportagens do Correio publicadas em
janeiro. Os servidores do órgão indagaram sobre a posição do Comitê de Ética do
Tesouro acerca da acumulação de atividades durante o expediente e das
remunerações recebidas. Criticaram ainda o silêncio da direção ao não dar
explicações objetivas sobre a legalidade dos três conselhos e do comitê de
auditoria do BRB dos quais o subsecretário de Política Fiscal, Marcus Pereira
Aucélio, faz parte.
Depois de alegar ter analisado o caso, o Comitê de Ética da
STN respondeu aos funcionários que a responsabilidade pela apuração é da
Comissão de Ética do Ministério da Fazenda que, até hoje, não deu resposta. A
uma servidora que pediu explicações pela rede interna, a Ouvidoria do Tesouro
respondeu que ela deveria buscar esclarecimento no Banco Central, pois é o
órgão fiscalizador das instituições financeiras. Questionado sobre esse jogo de
empurra, o Ministério da Fazenda informou que não vai se manifestar.
Arno sucumbiu
Umas das poucas autoridades de primeiro e segundo escalões
que não tinham sido seduzidas pelos jetons gordos de alguns conselhos de
empresas nas quais a União tem participação, o secretário do Tesouro, Arno
Augustin não resistiu e sucumbiu. Pela primeira vez, desde que está no cargo há
cinco anos, ele aceitou participar do Conselho de Administração da Embraer,
para o qual foi nomeado no dia 5 deste mês.
A empresa não quis divulgar o valor do jeton pago atualmente
por reunião mensal. Informou apenas o total desembolsado em 2010, de R$ 29 mil
em média. Diferentemente dos ministros, que recebem R$ 26,7 mil mensais, e de
seus subordinados, com salários de carreira entre R$ 23 mil e R$ 25 mil,
Augustin não tem vínculo com o serviço público. Ele recebe apenas o valor do
cargo comissionado DAS-6, de R$ 11.179,36.
Com a nomeação, a exemplo dos seus colegas ministros,
secretários e subordinados, o chefe do Tesouro agora também recebe acima do
limite constitucional do funcionalismo sem ser importunado pelo chamado
abate-teto aplicado aos demais servidores que têm remuneração acima de R$ 26,7
mil.
Manobras fiscais
O secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, é chamado
na Esplanada dos Ministérios de "Senhor Não", por criar dificuldades
para a liberação de pedidos de verbas. Mas nada aumentou tanto o seu prestígio
com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, quando lançou mão de manobras fiscais
para cumprir as metas de superavit primário de 3% do Produto Interno Bruto
(PIB).