domingo, 10 de junho de 2012

A caixa-preta dos salários



O GLOBO     -     10/06/2012




Confirmam-se aberrações na remuneração de servidores públicos

Embora com previsíveis reações contrárias de setores dos três Poderes, por força dos interesses corporativos que contraria, a Lei de Acesso à Informação já produz emblemáticos resultados. Começa-se a abrir a caixa-preta dos salários dos 9,4 milhões de servidores públicos do país, e os dados que dela saem confirmam o que já se sabia — ou seja, que o manto da privacidade das folhas de pagamento de órgãos federais, estatuais e municipais esconde vergonhosos privilégios. E, descendo-se a detalhes clareados pela transparência agora avalizada por lei, vem à luz um mundo de discrepâncias que agridem o bom senso, ferem a ética e, em não poucos casos, passam ao largo de normas legais que procuram pôr limites à farra salarial à custa dos impostos pagos pelos cidadãos.

Exemplos desses despropósitos falam por si. A Câmara Municipal do Rio, tradicional símbolo de privilégios (não por acaso, dos 2.202 empregados da Casa, apenas 777 são concursados), paga supersalários a altos funcionários, alguns com vencimentos que superam os de vereadores. Na Câmara de São Paulo, o salário de um supervisor de zeladoria chega a R$ 17 mil, ainda assim abaixo de alguns subordinados, que recebem R$ 23 mil, segundo o jornal “O Estado de S.Paulo”. Assistentes parlamentares, contratados sem concurso, embolsam R$ 23,2 mil, e há pelo menos um caso de uma técnica cujo contracheque lhe assegura R$ 26, 3 mil. Pagam-se R$ 24 mil a um biblioteconomista, R$ 18 mil a um técnico do setor de expediente e R$ 11 mil a um garagista. A situação não é diferente em órgãos do Executivo e no Judiciário.

De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a fatia da mão de obra empregada no setor público do país cresceu 30,2% entre 2003 e 2010. Sintomático, num país em que, mais fortemente no governo federal, o aumento de despesas de custeio tornou-se política prioritária de administração. Despesas com pessoal nas três instâncias do poder público representam 14% do Produto Interno Bruto. Estima-se que somente a União terá gastos de R$ 200 bilhões este ano na rubrica “pessoal e encargos sociais”.

É condenável a opção pelo empreguismo público. Pior, ainda, quando não há regras claras que inibam privilégios políticos e adequem a política de contratação de servidores às reais necessidades de cada órgão. Mas, se essa discussão esbarra em barreiras aparentemente intransponíveis, a Lei de Acesso representa um positivo instrumento que se dá à sociedade para fiscalizar, ao menos em parte, a aplicação dos recursos provenientes da tributação.

Por óbvio, a lei tem sido objeto de contestações. Entidades de representação do funcionalismo alegam, por exemplo, que divulgar o valor de salários se trata de invasão de privacidade, e que a providência estimulará a indústria de sequestros (aqui, uma espécie de ato falho em que se ratifica a ideia de que vencimentos milionários são pagos no serviço público). No primeiro caso, o Brasil começa a se alinhar a um número cada vez maior de países que já adotam a transparência; no segundo, recorra-se ao exemplo da prefeitura de São Paulo, que desde 2009 divulga mensalmente os salários de seus funcionários, sem que estes tenham sido vítimas sistemáticas de qualquer tipo de crime. A Lei de Acesso confirma a tese de que a luz é o melhor detergente.




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