BSPF - 16/07/2012
Os servidores públicos, em geral, não são recepcionistas que
ganham 24 mil por mês. Em geral, os servidores públicos recebem salários
compatíveis com seus cargos ou menos do que isso, como a maioria da população
brasileira. E, como a maioria da população brasileira, os servidores públicos
levam seus filhos à escola, empurram carrinho no supermercado, compram remédio
na farmácia, conversam com o vizinho e se irritam no trânsito.
Os servidores
públicos são idênticos à maioria da população brasileira, mas, com a lei que
pretende divulgar- lhes os nomes e os salários, levarão uma vida diferente de
todos, levarão uma vida igual ao seu trabalho: pública. Posso imaginar uma roda
de mulheres num bar passando de mão macia para mão macia a lista dos salários
de seus amigos, e quiçá pretendentes, que trabalham no serviço público.
– Prefiro sair com este, que ganha R$ 928,52 a mais do que
esse outro. – Olha aqui esse chinelão: me convidou para beber um vinho na casa
dele, mas só ganha R$ 950. Vai ver é vinho de garrafão.
Ou quem sabe a faxineira de um servidor, discutindo com ele:
– O senhor pode me dar mais 20 por faxina: o seu salário é
R$ 3.269,88.
Ou o vizinho na reunião de condomínio:
– Uma vez que o seu salário é de 10.974, você pode aumentar
a contribuição mensal, já que nós ganhamos muito menos.
A relação de nomes e salários também será muito útil para
operadoras de telemarketing, vendedores e eventuais golpistas, mas ninguém se
beneficiará mais do que os sequestradores que abundam debaixo dos semáforos das
cidades. Eles poderão estabelecer com minúcias de centavos quanto pedir de
resgate por algum familiar de um servidor público. Muito prático.
Eu aqui, eu já precisei de inúmeros servidores públicos, ao
longo da vida: sempre estudei em escola pública, e, como qualquer cidadão, já
tive de me socorrer da saúde pública, da Justiça, da polícia, dos bombeiros, de
diversos prestadores de serviço. Pois quando esses funcionários estavam me
atendendo, se porventura pensasse no salário deles, sabe do que eu gostaria? Que
eles fossem muito bem remunerados. Que aquele professor, que aquele médico, que
aquele escrevente, que aquele delegado, que aquele juiz, que aquele brigadiano
ganhasse muito bem, que estivesse satisfeito com seu trabalho, a fim de me
prestar assistência de qualidade, a melhor assistência possível.
A divulgação dos salários vinculados aos nomes dos
funcionários talvez diminua distorções como a da recepcionista que ganha R$ 24
mil por mês. Mas talvez também afaste os bons do serviço público. Porque, se é verdade
que o que é caro não é necessariamente bom, também é verdade que o bom vale
mais. O serviço público, por atender a toda a população, tem de ser composto
pelos melhores, e os melhores têm de ser bem remunerados. Com merecimento, sim.
Com transparência, claro que sim. Não com constrangimento.
Fonte: David Coimbra - Jornal Zero Hora