Rudi Cassel
Valor Econômico
- 18/07/2012
A Constituição Federal de 1988, com o intuito de evitar
práticas nocivas à moralidade e à impessoalidade, exigiu o concurso para o
provimento de cargos e empregos públicos.
Não é apenas no abuso dos cargos comissionados que a correta
seleção para a investidura em funções públicas é quebrada. A terceirização
ameaça invadir lugares que não a comportam.
A terceirização também é conhecida como execução indireta de
serviços públicos, mediada por contratos submetidos a licitações supostamente
isentas, do que deriva o ingresso de trabalhadores sub-remunerados em
atribuições públicas sem o devido concurso.
Em alguns casos, movidos pela inocência útil que acredita na
suposta eficiência da medida, muitos administradores adotaram a terceirização
como instrumento de desempenho de atividades da carreira dos servidores
efetivos.
A abertura da terceirização forçou o Tribunal de Contas da
União a editar a sua Súmula nº 97 que, reproduzindo vedação contida no Decreto
nº 2.271, de 1997, não permite a execução indireta das funções públicas quando
estejam cometidas a uma categoria funcional da carreira do órgão analisado.
Infelizmente, esse obstáculo não foi respeitado. Há
terceirizados nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em tarefas
previstas para servidores de carreira, nas áreas fim e meio. Há candidatos
aprovados em vários certames que não são nomeados, preteridos pela manutenção
de pessoas que não participaram do devido processo seletivo.
Recentes decisões judiciais têm determinado a substituição
de terceirizados por candidatos aprovados, que aguardam o iminente esgotamento
do prazo de validade do certame realizado.
A terceirização foi adotada como instrumento de desempenho
Em paralelo, ministérios contratam empresas para oferecer
mão de obra sem concurso para seus cargos estratégicos, desrespeitando
determinações específicas da Corte de Contas, enquanto os setores de
comunicação e segurança do Legislativo e do Judiciário são desempenhados -
quase exclusivamente - por funcionários de empresas privadas.
A privatização dessas funções não representa eficiência,
porque remunera mal e induz à conclusão de que também o Estado viola as
garantias trabalhistas que defende na esfera privada.
É ilógico imaginar que a dispensa da verificação das
qualidades individuais - daquele que se submete a um processo seletivo rigoroso
de provas ou de provas e títulos - resulta em maior eficiência, diante da
contratação de empresas que definem quem trabalhará nos contratos.
A execução indireta e privada de atribuições das categorias
funcionais dos órgãos públicos afronta a moralidade administrativa, estimula a
corrupção em contratos mensais milionários e, ainda mais grave, viola o direito
destinado a todo cidadão de obter uma vaga no serviço público.
O procedimento relembra o modelo clientelista formado em
torno de feudos de influência e apadrinhamento, que com muito esforço do Poder
Constituinte Originário é combatido por regras rígidas de acesso aos cargos e
empregos públicos.
Há pouco tempo, a pequena ressalva para cargos comissionados
feita pela parte final do artigo 37, II, da Constituição, obrigou o Supremo
Tribunal Federal (STF) a editar a Súmula Vinculante nº 13, em razão do
nepotismo que multiplicava parentes nos três poderes.
Não é nova a tendência de serem beneficiados familiares e
amigos, em detrimento da objetividade da conquista profissional por
merecimento. Até as empresas privadas sofrem com isso. Também é inevitável o
crescimento de fraudes com os altos valores investidos na terceirização, em
prejuízo de uma sociedade civil que deseja crescer em confiança nos atos da
administração pública.
Somente o concurso exigido pela Constituição pode ser
admitido como via de provimento legítimo em cargos efetivos e empregos
públicos.
Aqueles que ainda entendem o avanço da terceirização como
acréscimo de eficiência e desburocratização devem rever seu posicionamento para
adequar o Brasil a um futuro limpo e transparente. Do contrário, não poderão
lamentar a imoralidade que apoiaram, pois em nada adianta criticar a corrupção,
mantendo-lhe as fontes e os vícios.
Rudi Cassel é advogado, sócio do escritório Cassel &
Ruzzarin Advogados
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