Brasil S/A
Paulo Silva Pinto
Correio Braziliense - 27/08/2012
Ninguém fez tão mal à imagem dos servidores grevistas quanto a pessoa que teve a ideia de colocar em um posto da Polícia Rodoviária Federal em Penedo (RJ) na semana passada um cartaz com a frase "passagem livre para o tráfico de drogas e armas". Como era de esperar, os líderes sindicais tentaram apresentar uma justificativa. Argumentaram que o posto já estava fechado havia meses por falta de quadros. Pouco importa.
O agente responsável por coibir crimes não pode escrever que o tráfico tem passagem livre. Se encontrar isso escrito em um posto de fiscalização, fechado ou não, sua obrigação é remover o deboche. Mas nenhum policial se preocupou com isso. Foi a atitude mais lamentável em uma longa lista. Por exemplo, a exigência de documentos de todos que trafegam em estradas, causando longos congestionamentos.
Ou a ação dos policiais federais, que, nos aeroportos, embromaram o controle de passaportes para criar filas e irritar os passageiros. Ns duas situações, a expectativa não revelada era constranger o governo, tentando transformar o temor do desgaste perante a opinião pública em boa vontade para a concessão de aumento salarial.
Nesses outros protestos de policiais, também se recorreu a uma desculpa fraca. A de que estavam fazendo operação-padrão. Ou seja, aplicavam o rigor que seria necessário, mas que se evita por falta de condições de trabalho. A explicação não cola. Se realmente fosse esse o padrão, não bastaria contratar mais policiais. Seria necessário ampliar exponencialmente o tamanho dos aeroportos para evitar gargalos. E as estradas precisariam de dezenas de pistas para permitir a intensa fiscalização.
Na verdade, a operação-padrão é um eufemismo para a operação-tartaruga que os operários fazem no chão de fábrica, atrasando a produção. No caso deles, é um instrumento legítimo de reivindicação. O prejuízo à população é menor e eles enfrentam riscos. Como a empresa para a qual trabalham tem concorrentes, caso o consumidor sinta falta do que sai dali, pode recorrer a outra marca. E o próprio trabalhador enfrenta competição. Se o patrão considerar a forma de protesto injusta, pode demitir o empregado na hora ou esperar o momento oportuno para fazer isso. No mercado de trabalho, encontrará substituto.
Com o funcionário público é diferente: o Estado detém o monopólio dos serviços que presta, por isso a população não pode buscar alternativas. E o servidor não corre o risco de ser demitido por fazer greve ou por protestar com a lentidão do trabalho.
Nesta greve do funcionalismo, estamos assistindo à negação do ethos público, a vocação de servir à sociedade. Certamente isso não é culpa só dos policiais. Mas se percebe com mais clareza no caso deles. É algo irônico, porque são exatamente os agentes da segurança pública as figuras mais emblemáticas do Estado pelo conceito weberiano: o monopólio do uso legítimo da força.
Este é um momento oportuno para recuperar a importância do ethos público. Para lembrar que os servidores têm salários, previdência e estabilidade diferentes do que têm dos trabalhadores do setor privado — reportagem de Ana D"Angelo publicada na edição de ontem do Correio demonstra que, desde 1995, os funcionários do Executivo receberam em média aumentos salariais em 42,7% acima da inflação. E que esses benefícios devem ser compreendidos como contrapartida à natureza diferenciada do seu trabalho, que envolve um sentido de missão, de colocar o bem público à frente de tudo. As carreiras do setor privado não incluem isso. Devem, dentro dos parâmetros da ética, buscar o lucro das empresas, o que, por suas externalidades positivas, também tende a maximizar o bem comum.
Sensação de posse
Passar em um concurso requer empenho e sacrifício. É natural que o aprovado se considere vitorioso. Infelizmente há casos, e não são poucos, em que isso também vem acompanhado da sensação de posse. Algo do tipo: "Conquistei minha vaga e daqui ninguém me tira."
Ledo engano. Ninguém é dono de vagas de servidor público. Nem os servidores, nem seus chefes. Sequer a presidente Dilma Rousseff. O que as pessoas têm é o privilégio de ocupá-las e não de possuí-las. Esse privilégio pode ser entendido de dois modos.
A ascepção mais comum é a da vantagem. A mais importante é a honra e o respeito pela oportunidade única que a aprovação no concurso proporciona: a de dar o melhor de si e até mesmo fazer sacrifícios para que a máquina pública funcione satisfatoriamente. Para muitas pessoas, mais gratificante do que gerar valor para uma empresa é gerar valor para uma nação, para todos os brasileiros. Incluindo, é claro, os funcionários do Estado, que, como cidadãos, pagam impostos e merecem serviços de qualidade.