O Estado de S. Paulo - 28/08/2012
Desde o início do mandato da presidente Dilma Rousseff,
setores importantes do PT padecem da nostalgia dos "bons tempos" em
que o Grande Chefe distribuía bondades e afagos a mancheias com o duplo
objetivo de, por um lado, atender a demandas sociais "como nunca antes na
história deste país" e, por outro lado, cooptar os aliados necessários
para garantir a perpetuação no poder da nomenklatura petista.
O impasse nas negociações entre governo e sindicatos na
atual campanha salarial dos servidores públicos elevou o tom da insatisfação do
PT com o comportamento da presidente, que é considerada a principal culpada
pelos prejuízos políticos que sua "intransigência" já causa à base
sindical do partido.
De acordo com tradicionais lideranças petistas ouvidas pelo
diário Valor (27/08), "falta a Dilma sensibilidade e experiência nesse
ramo negocial", e essa é a mais "marcante diferença" entre ela e
seu antecessor. Não é. A grande diferença entre os dois é que Dilma não fica à
vontade no figurino demagógico-populista de Lula, que só abre a boca para falar
o que as pessoas querem ouvir e jamais "mete a mão em cumbuca".
Pois a atual "negociação" salarial proposta pela
maior parte dos sindicatos de servidores públicos - habituados à liberalidade
do governo anterior - é uma enorme cumbuca para o governo, uma vez que, de modo
geral, as exigências de reajuste salarial, quase sempre muito acima da
inflação, extrapolam os limites do justo e do razoável e são inaceitáveis para
qualquer administrador de finanças públicas minimamente responsável.
Principalmente no momento em que o governo encontra enormes dificuldades para
fechar o orçamento para 2013, que precisa apresentar ao Congresso até a próxima
sexta-feira.
Dilma evitou a arapuca e instruiu seus assessores a
endurecer o jogo. Mais adiante mandou cortar o ponto dos grevistas. Uma postura
realista, até mesmo porque o País vive hoje, em razão dos reflexos da crise
internacional, uma conjuntura econômica muito pior do que aquela que permitiu a
Lula alimentar o maior culto à personalidade de que se tem notícia na história
deste país.
A posição do governo é clara na negociação com os
servidores: reajuste salarial geral de 15,8%, em três parcelas de 5% a serem
pagas, anualmente, de 2013 a 2015. Nas rodadas de negociação mantidas nos
últimos dias pelo secretário de Relações do Trabalho do Ministério do
Planejamento, Sérgio Mendonça, a proposta do governo foi unanimemente recusada.
Mas as lideranças prometeram submetê-la às respectivas assembleias.
Diante de indícios de que algumas categorias, mais
desgastadas com os três meses de paralisação, tenderão a finalmente aceitar o
que lhes é proposto, fontes oficiais revelaram a possibilidade de, nesses
casos, ser concedido o pagamento das horas paradas, com a restituição dos
descontos em folha efetuados, desde que acertado um esquema de reposição
daquelas horas de trabalho.
Esse não é, definitivamente, o modo petista de tratar
"demandas sociais" - aquele que parte do princípio de que o Estado
tudo pode, inclusive gastar o que não tem. Foi exatamente assim que se
comportou o PT quando, em 2000, votou contra a Lei de Responsabilidade Fiscal,
que acabou com a gastança irresponsável na administração pública em todos os
níveis, estabelecendo "normas de finanças públicas voltadas para a
responsabilidade na gestão fiscal".
Proposta no governo FHC, essa lei foi duramente combatida pelos petistas com o argumento de que se tratava de mais um instrumento de opressão das "elites" sobre o povo trabalhador. Aprovada, a Lei de Responsabilidade Fiscal se transformou num dos pilares da gestão fiscal que permitiu a implementação de políticas de crescimento e distribuição de renda nos dois mandatos de Lula.
Proposta no governo FHC, essa lei foi duramente combatida pelos petistas com o argumento de que se tratava de mais um instrumento de opressão das "elites" sobre o povo trabalhador. Aprovada, a Lei de Responsabilidade Fiscal se transformou num dos pilares da gestão fiscal que permitiu a implementação de políticas de crescimento e distribuição de renda nos dois mandatos de Lula.
De qualquer modo, a crescente insatisfação do PT com o
"modo dilmista" de governar pode ser apenas o reflexo de uma surda
luta interna pelo poder. Do ponto de vista político, tudo leva a crer que a
firmeza da presidente na condução do confronto com um sindicalismo saudoso de
seus privilégios só tem feito aumentar os índices de sua aprovação popular.