quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Divulgar salário e matrícula dos servidores é suficiente


Antônio Henrique Corrêa da Silva
Consultor Jurídico     -     09/08/2012





Bendita a Lei de Acesso à Informação! De fato, nada melhor que as luzes da opinião pública para defraudar negociatas, desnudar desmandos e destrinchar abusos. A recente Lei 12.527/11, quando determina a divulgação da remuneração dos agentes públicos, de forma individualizada e detalhada, homenageia os valores republicanos e abre caminho para a moralização do sistema remuneratório do poder público, e para expurgar a cultura do “jeitinho” que teima em driblar os controles e limites impostos pela lei.


Apesar de toda essa carga positiva, a lei não se esquece do direito à intimidade, ao qual exige um mínimo de satisfação e respeito (artigos 6º, III e 31 da Lei 12.527/11). Portanto, todo aquele que tem por dever cumprir a determinação legal de divulgar informações deve, num grau mínimo que seja, resguardar a intimidade do agente público envolvido. Quando dois valores igualmente importantes entram em conflito (transparência X intimidade), deve-se encontrar uma solução que preserve o essencial de ambos, conciliando-os. 


É o que mandam o bom senso e também as mais modernas técnicas de interpretação constitucional.
O problema com a divulgação das remunerações no âmbito do Poder Judiciário está justamente no fato de o Conselho Nacional de Justiça, através da Resolução 151, ter determinado a divulgaçãonominal da remuneração. Isso expôs, direta e automaticamente, os servidores não apenas aos controles públicos legítimos, mas também à curiosidade privada em geral. Ora, o interesse público na divulgação das remunerações vai até o ponto em que se divulgue, de modo individualizado e detalhado, a remuneração de todos e cada um dos agentes públicos.


É perfeitamente possível individualizar e detalhar sem, necessariamente, nominar, bastando usar informações como o número de matrícula do servidor em lugar de seu nome. A informação continuará, com isso, a referir-se a determinado servidor, e a trazer todos os detalhes suficientes para a realização do controle da remuneração.


Também o servidor continuará a ser perfeitamente identificado, pois somente ele terá aquele determinado número de matrícula. A grande diferença é que, tendo seus nomes preservados, os servidores manterão ao menos uma leve camada protetora de sua intimidade contra os mexericos que sempre existiram em torno da remuneração alheia.

Vale, nesse ponto, lembrar o costume arraigado em nossa cultura, de não se divulgar salário sequer aos familiares mais próximos. Basta que o leitor se imagine, por um segundo, a sofrer tal exposição para experimentar o desconforto por ela causado.


Pois bem, é desse desconforto que vem a medida legítima da intimidade, e a necessidade de dar-lhe um mínimo de proteção. Também não é exagerado considerar o risco de informações assim tão importantes caírem nas mãos de malfeitores e o prejuízo que seu uso indevido poderia causar.

Por isso, a Ajuferjes (Associação dos Juízes Federais do Rio de Janeiro e Espírito Santo) decidiu ajuizar, no Supremo Tribunal Federal, a Ação Originária 1.993 e conta com a sabedoria do relator ministro Joaquim Barbosa e dos demais julgadores para que, mais uma vez, prevaleça o bom senso e o bom direito. 


Caso a ação seja bem sucedida, as informações de remuneração continuarão a ser divulgadas com todos os detalhes, mas o nome será substituído pela matrícula funcional como elemento de identificação. É o quanto basta para satisfazer o interesse público e permitir o controle social. É também o quanto basta para frustrar a curiosidade privada dos fofoqueiros de plantão.

Antônio Henrique Corrêa da Silva é juiz federal e presidente da Associação dos Juízes Federais do Rio de Janeiro e Espírito Santo (Ajuferjes).



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