Ribamar Oliveira
Valor Econômico - 30/08/2012
A vitória da presidente Dilma Rousseff no enfrentamento com
os servidores federais é maior do que aparenta. Ao definir um reajuste de 15,8%
para todos, que será pago em três anos, Dilma colocou sob controle a segunda
maior despesa primária da União - a folha de salários do funcionalismo.
Ao mesmo tempo, ela deu previsibilidade para os gastos
públicos pelos próximos três anos, uma vez que a maior das despesas
orçamentárias - os benefícios previdenciários - sofre impacto direto do salário
mínimo, que já tem regra de correção definida em lei.
Essa será a primeira vez, na história econômica recente, que
o governo terá perfeita noção do que acontecerá com os seus gastos no curto e
médio prazo, o que ajudará a execução orçamentária e dará maior transparência
ao Orçamento da União. Junte-se a isso o fato de que outra grande despesa
orçamentária, essa de natureza financeira, também estará em queda nos próximos
anos: os gastos com o pagamento de juros das dívidas públicas, em decorrência
da redução da Selic (taxa básica de juros) pelo Banco Central.
Dilma coloca sob controle despesas com o funcionalismo
A previsibilidade dos gastos com o funcionalismo federal nos
próximos três anos, no entanto, não é o único resultado da vitória de Dilma. O
reajuste de 15,8% em três anos manterá as despesas com pessoal ativo e inativo
em queda, em comparação com o Produto Interno Bruto (PIB), até o fim do mandato
da presidente e no primeiro ano do mandato do presidente que será eleito em
outubro de 2014.
A proposta do governo para o funcionalismo representa a
manutenção do salário real, levando-se em conta que o BC conseguirá entregar
uma inflação inferior a 5,3% ao ano, de 2013 a 2015. Se a inflação ficar abaixo
disso, haverá aumento real para os servidores.
É importante observar que a despesa com o pagamento do
funcionalismo vem caindo, em proporção do PIB, ao longo dos últimos dez anos.
Segundo dados do Ministério da Fazenda, esse gasto foi equivalente a 4,8% do
PIB em 2002. Caiu para 4,5% do PIB no ano seguinte e para 4,3% do PIB em 2008.
Por conta dos elevados reajustes salariais e reclassificações de planos e
carreira concedidos pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, esse gasto
voltou a subir e atingiu 4,7% do PIB em 2009, voltando a cair para 4,4% do PIB
em 2010, em grande parte por causa do crescimento de 7,5% da economia naquele
ano. Em 2011, ficou em 4,3% do PIB e, neste ano, deverá cair para 4,2% do PIB.
Com o reajuste de 15,8% em três anos, o governo Dilma está
colocando em prática a fórmula proposta pelo ex-presidente Lula, em fevereiro
de 2007, de que o gasto com pessoal não deveria subir mais do que 2,5% acima da
inflação (medida pelo IPCA). Essa norma chegou a ser colocada em um projeto de
lei, que o governo enviou ao Congresso. O projeto foi engavetado em alguma
Comissão da Câmara dos Deputados. A fórmula adotada pelo governo Dilma para os
próximos três anos é mais rigorosa que o projeto de lei de Lula, pois se a
inflação for superior a 5,3% ao ano, o gasto com os servidores terá uma redução
real.
Com a queda da despesa com pessoal em proporção do PIB, o
governo abrirá espaço no Orçamento para outros gastos que considere
prioritários. Fontes do governo dizem que esse espaço será ocupado pelo aumento
dos investimentos e pelas desonerações tributárias, principalmente da folha de
salários. Essas desonerações poderão resultar em menor receita, pelo menos em
um primeiro momento, o que terá implicação sobre a execução orçamentária.
A proposta salarial do governo Dilma ainda enfrentará um
último obstáculo. A presidente terá de encaminhar um projeto de lei ou uma
medida provisória ao Congresso, com todas as mudanças nas remunerações dos
servidores que fará nos próximos três anos. Tudo precisa ser aprovado por
deputados e senadores, o que deixa uma interrogação sobre as mudanças que
poderão ser feitas na proposta inicial. Há uma trava legal, no entanto, que
impede que a proposta do governo seja desfigurada pelos parlamentares.
O artigo 63 da Constituição, em seu inciso primeiro,
estabelece que não será admitido aumento da despesa prevista nos projetos de
iniciativa do presidente da República. Há uma dúvida apenas, que poderá ser
suscitada quando a MP ou o projeto de lei for discutido, pois a proposta
estabelece despesas para três anos. Os parlamentares poderão ser tentados a
conceder o reajuste em duas parcelas, em vez de três, o que não alteraria o
valor total previsto para a despesa.
Sobre essa questão, no entanto, especialistas consultados
por este colunista alertam que já há jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal. O STF julgou ação direta de inconstitucionalidade apresentada pelo
governo de Alagoas contra alteração feita pela Assembleia Legislativa do Estado
em lei salarial estadual, elevando e antecipando despesa de pessoal. O
Legislativo não pode, portanto, aumentar despesas em projeto de iniciativa do
presidente da República. Essa regra, evidentemente, não se aplica à lei
orçamentária.
A presidente Dilma não pode, no entanto, tomar a iniciativa
de propor mudanças na remuneração dos servidores dos demais Poderes. Por isso,
os presidentes da Câmara, do Senado, do Supremo Tribunal Federal e o chefe do
Ministério Público da União terão que encaminhar projetos de lei propondo o
reajuste de 15,8% em três anos para os seus servidores.
Nesse caso, a margem de atuação dos parlamentares para
mudanças será grande. Existem sete projetos em tramitação no Congresso propondo
reajustes salariais para os servidores do Judiciário, do Ministério Público, do
Tribunal de Contas da União, da Câmara e do Senado. Esse último é o único que
propôs o aumento de 15,8% em três anos.
O projeto da Câmara quer equiparação salarial com o Senado.
O do Judiciário quer um aumento médio de 33%. O mesmo para o Ministério
Público. E existem dois projetos elevando o subsídio de ministro do STF, que é
o teto do funcionalismo, dos atuais R$ 26,7 mil para R$ 32,1 mil. Dilma terá,
portanto, que contar com o apoio de sua base política no Congresso para vencer
essa batalha.
Ribamar Oliveira é repórter especial e escreve às quintas-feiras