O Globo - 03/09/2012
Tema em discussão: greve do funcionalismo público
Os constantes sinais emitidos pelo Planalto desde o início
da Era Lula, de aceitação de corporações sindicais ligadas ao funcionalismo
público como uma espécie de condôminos do poder, têm dado a entidades que falam
em nome dos servidores uma inequívoca desenvoltura para se mobilizar em defesa
de crescentes reivindicações. Seja para a preservação de vantagens funcionais,
a elas asseguradas por uma legislação tão paternalista quanto anacrônica, ou
para a obtenção de novos privilégios, diversas categorias do Executivo não
hesitam em recorrer a paralisações.
Contam, para isso, não só com as garantias da estabilidade
no emprego, mas, igualmente, por contaminação ideológica, com usuais
demonstrações de leniência das autoridades. Invariavelmente, da junção entre
demonstrações de força (que levam ao fechamento de repartições) e inapetência
pela repressão a abusos (um dever de quem tem a responsabilidade de exercer
cargos no poder público), resulta como vítima a sociedade, tomada como refém
desta aliança deletéria.
O modelo foi novamente colocado em prática na recente onda
de greves do funcionalismo público da União. Desta vez, no entanto, o governo
federal acabou saindo do pacto: após se dobrar inicialmente, pela inércia, a um
movimento que paralisou importantes órgãos - inclusive de áreas essenciais - da
administração pública, o Planalto curvou-se à evidência de que era impossível
aceitar reivindicações inquestionavelmente abusivas. Da letargia inicial, que
deve ter estimulado o desdobramento e o prolongamento das paralisações,
Brasília enfim endureceu com os grevistas. Mostrou-se inflexível com os pleitos
acima dos índices colocados na mesa de negociações, cortou o ponto de quem se
recusava a trabalhar e fechou-se ao diálogo. O recuo do funcionalismo comprovou
que as greves não se assentavam em questões justas. Ao contrário, tinham a
exorbitância como combustível.
Os movimentos do Planalto para assegurar privilégios aos
servidores não se limitaram aos acenos para atuarem como sócios do poder. Desde
o primeiro governo Lula têm sido generosos os aumentos a eles concedidos, de
tal forma que o Executivo chega a pagar salários mais altos que os praticados
na iniciativa privada.
Mesmo nesse paraíso salarial há distorções a serem
enfrentadas. Mas isso deve ser feito com a revisão de planos de carreira, com
coerência administrativa e orçamentária. É preciso também reparar uma lacuna da
legislação: a regulamentação do direito de greve no serviço público,
providência que o governo tomou, ao anunciar o encaminhamento ao Congresso do
projeto que trata da questão.
Impor a correção de desvios pela greve é inaceitável, porque
prejudica a população e deixa na conta de toda a sociedade o custo de demandas
que não são dela, mas de grupos corporativos.