Almir Pazzianotto Pinto
O Estado de S. Paulo
- 13/09/2012
Espaço aberto
Para resolver problemas causados por sucessivos atos
institucionais e complementares, responsáveis pelo esvaziamento da Constituição
de 1946, o regime militar providenciou a Constituição de 1967, cuja elaboração
resultou do Ato Institucional n.º 4, de 7 de dezembro de 1966, baixado pelo
presidente Castelo Branco. Determinou-se a convocação extraordinária do
Congresso Nacional para que, no período compreendido entre 12 de dezembro e 24
de janeiro de 1967, se aprovasse nova Carta Política, que, "além de
uniforme e harmônica", representasse "a institucionalização dos
ideais e princípios da Revolução".
Da nova Constituição foi dito que, "muito combatida à
época, e depois do AI-5 lembrada com saudade, acabou na Emenda Constitucional
n.º 1, de 17 de outubro de 1969", baixada, autoritariamente, pelos
ministros do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. A Emenda n.º 1 conservou
elevado número de dispositivos anteriores, entre os quais - como artigo 162 - o
que proibia a greve "nos serviços públicos e atividades essenciais,
definidas em lei".
O ressurgimento das paralisações coletivas nas indústrias
automobilísticas do ABCD paulista, a partir de 1978, obrigou o presidente
Ernesto Geisel a regulamentar a norma constitucional, o que fez mediante o
Decreto-Lei n.º 1.632, de 4 de agosto de 1978. Foram expressamente proibidas as
suspensões coletivas de trabalho em serviços públicos e atividades essenciais,
como as de água e esgoto, energia elétrica, petróleo, gás e outros combustíveis,
bancos, transportes, comunicações, carga e descarga, hospitais, ambulatórios,
maternidades, farmácias e drogarias, bem como outras que viessem a ser
definidas por decreto do presidente da República. Foram, ainda, qualificados
como essenciais e de interesse da segurança nacional os serviços públicos
federais, estaduais e municipais, de execução direta, indireta, delegada ou
concedida, inclusive os do Distrito Federal.
Quem viveu os últimos anos do período discricionário deve
recordar-se da inocuidade que se apossou da legislação repressora. Ignorando a
Constituição autoritária, a legislação vigente e decisões dos tribunais que
decretavam a ilegalidade e ordenavam o imediato retorno ao trabalho, uma
epidemia de greves assolou o País, tanto nas atividades privadas como nos
serviços públicos, sob o comando da então recém-nascida Central Única dos
Trabalhadores (CUT), na qual se concentravam sindicatos controlados pelo
Partido dos Trabalhadores (PT).
A Constituição democrática de 1988 adotou três diretrizes em
matéria de greve: negou-a aos integrantes das Forças Armadas e das Polícias
Militares, submetidos ao rigor do Código Penal Militar; permitiu-a, mas de
maneira controlada, na esfera da iniciativa privada; e reconheceu-a como
direito nos serviços públicos, dentro, porém, dos termos e limites de lei
específica, conforme prescreve o artigo 37, VII. A diferença entre os setores
privado e público decorre, portanto, de que o primeiro está regulado pela Lei
n.º 7.783/89, ao passo que o segundo continua à espera da legislação
disciplinadora.
Desta sorte, quando determinado sindicato de trabalhadores
decreta paralisação geral, está obrigado a saber o que faz, como fazer e os
riscos assumidos. A Lei de Greve não deixa dúvidas acerca das imposições quando
o movimento visar à interrupção de serviços e atividades essenciais, como
assistência médica e hospitalar, transporte coletivo, coleta de lixo.
O seu inciso VII cobra lei apta a esclarecer em que termos,
e dentro de que limites, sindicatos de servidores públicos estarão autorizados
a deflagrar greve. Quando impõe limites, o dispositivo constitucional indica
que alguns serviços são insusceptíveis de paralisações. Nas greves de
trabalhadores até se aceita que atividades essenciais sejam suspensas,
conquanto nunca de maneira irrestrita. Por acordo entre o sindicato e a
empresa, ou mediante determinação da Justiça do Trabalho, serão mantidos
"serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade".
Por definição, qualquer serviço público é indispensável e inadiável. Não o
fosse, nada justificaria os gastos com dinheiro do contribuinte.
A lei deverá, ainda, fixar requisitos em relação às
assembleias. Nada de votos por aclamação, em lugares abertos, sem possibilidade
de controle. Decidida a paralisação, a direção do órgão público dela será
informada com razoável antecedência. Algo como 60 dias, a fim de lhe permitir
preparar-se para a negociação, e tomar providências acautelatórias.
Em determinados serviços, como Polícia Federal, Judiciário,
Previdência Social, hospitais e unidades de saúde, educação, segurança, o
direito de greve será objeto de rigoroso controle, em nome da população
indefesa. Vivemos num Estado Democrático de Direito, regidos por Constituição
discutida e promulgada por representantes do povo. Quem desejar fazer greve
cobre da presidente da República, Dilma Rousseff, o encaminhamento do projeto
de lei ao Congresso Nacional e acompanhe as discussões travadas na busca da norma
legal que melhor consulte os interesses do povo.
Por derradeiro, o problema dos dias parados. A participação
em greve legal "suspende o contrato de trabalho", diz a Lei n.º
7.783/89. Logo, não há pagamento dos dias de paralisação. Se a greve for
ilegal, por mais fortes razões as faltas serão descontadas. Regras análogas
devem ser adotadas no serviço público, sob pena de incentivo a movimentos que
poderiam ser evitados.
Legislação demasiado rigorosa corre o risco de ser
desmoralizada. Quando frouxa e tolerante, já surgirá desacreditada. Compete ao
Poder Executivo encontrar a linha de equilíbrio. E contar com a ajuda do
Legislativo, na tentativa de resolver o desafio de greves que lhe afrontam a
autoridade.