Luciano Marinho Filho
Correio Braziliense
- 21/09/2012
Professor universitário e procurador federal da 5ª Região
(AGU)
Muito se discute na doutrina jurídica da administração
pública se a Advocacia-Geral da União (AGU) é um órgão ou uma instituição, se
pertence ou não ao Poder Executivo. A despeito dessa discussão, um ponto,
todavia, mostra-se inegável: sua importância para uma sadia governabilidade
advém do seu papel na viabilização das políticas públicas e na defesa do Estado
Brasileiro. E não podia ser diferente — como carreira de Estado que é.
A bem da verdade, uma simples indagação precisa ser feita: a
entrada e a saída dos gestores — a exemplo, o próprio cargo de ministro da AGU
—, a bem da responsabilidade mediata com o Estado, deveriam restar
inviabilizadas ou, no mínimo, submetidas a criteriosa quarentena? Sim ou não? É
dizer: até que ponto é realmente democrático e institucionalmente vantajoso o
trânsito de profissionais entre órgãos e instituições do Estado?
Quando se produz um advogado-geral da União de carreira, por
exemplo, forma-se, em tese, em toda sua plenitude, o verdadeiro advogado
público, justamente por conhecer todas as esferas da instituição a que
pertence. Como pode ele, a pretexto de uma indicação política, o
"comandante" de milhares de profissionais ser justo com quem
"abandona o barco" para ocupar outro cargo indicado, no qual não
possui experiência profissional direta e pode se tornar um bisonho e até
suspeito e impedido a realizar a novel função? Ou seja, resta a esse
profissional reencontrar-se, buscando, então, nova identidade e amadurecimento,
desta vez, em outra instituição, transformando-se, como mostra a prática, o
mais das vezes, em representante partidário e, em certo aspecto, tornando-se
irresponsável pelas consequências dos atos técnicos e, principalmente, de gestão,
realizados sob seu comando ou chefia no órgão ou instituição anterior. Tais
sucessões, afinal, representariam ou não desejos individuais em detrimento dos
interesses sociais?
Em função desse compromisso exclusivamente partidário, o
Estado perde. A imprensa e a população foram (e são) induzidas a erro. Senão
vejamos, por meio de outro exemplo duvidoso a ser aqui apresentado: o atual
governo federal optou por fixar discrepantes índices de aumentos
remuneratórios. Enquanto os servidores públicos de carreira receberam, em
média, 5% de aumento por ano, em três anos, o que, como é sabido, não recomporá
a inflação do período, os cargos de direção e assessoramento superior (DAS),
pelo mesmo governo, extraíram ganhos de 25%. Por que os cargos de indicação no
Estado são mais importantes que os concursados? Até que ponto essa disparidade
numérica representa cooptação profissional? A se pensar. Talvez a Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) devesse intervir.
Um último ponto para comprovar as afirmações acima reside no
fato de que o atual critério de promoção por merecimento dos procuradores
federais, dos procuradores de Fazenda, dos procuradores do Banco Central do
Brasil e dos advogados da União estabelece que o exercício de cargos de chefia
indicados são pontuados para distinção meritória. Ou seja, os cargos de
direção, provenientes da indicação política, além de remunerarem melhor o
servidor escolhido, ainda se servem, dentro da carreira, para promover a
injustiça entre párias, favorecendo a ascensão funcional em função da
partidarização dos seus componentes, aparelhando-se o Estado também por essa
via.
Poderes, instituições e carreiras do Estado, na atualidade,
são reféns da gestão e da influência político-partidária. Inclusive,
interferindo sobre problemas de cunho técnico. E o Estado se mantém inerte e
pouco realiza. E aquilo que faz torna-se duvidoso.
Por isso, as prerrogativas e a autonomia financeira dos
órgãos e dos profissionais envolvidos, sobretudo às carreiras típicas de
Estado, submetidos à circunscrição da imparcialidade da lei, são indispensáveis
e permitiriam a liberação e atuação dos seus profissionais. Aqui, é o papel do
Poder Legislativo que se mostra importante. Porque, ironicamente, o próprio
Poder Judiciário, com a Advocacia Pública, também são reféns dessa prática
imposta pelo Executivo.
Ou o projeto político prioritário do Brasil passa a ser
blindar e profissionalizar seus órgãos e instituições, sobretudo aqueles de
caráter técnico das próprias ingerências políticas, ou permaneceremos submetidos,
como hoje, à locupletação privada e coorporativa sobre os bens públicos. Nesse
último caso, servir-se-á o Estado não para sua população; mas, ao contrário e
tão-somente, para legitimar interesses exclusivistas.