Ribamar Oliveira
Valor Econômico - 17/09/2012
Brasília - O governo não vai estender o reajuste de 15,8%
para os servidores que não aceitaram o acordo, informou a ministra do
Planejamento, Miriam Belchior. "A LDO diz que os projetos de lei com
mudanças salariais precisam ser encaminhados ao Congresso até o dia 31 de
agosto", explicou. "Nós não queremos abrir isso, porque esse
dispositivo é uma trava importante para organizar o processo negocial",
afirmou. Assim, esses servidores não terão reajuste em 2013.
O Judiciário quer um tratamento diferente aos seus servidores
daquele dispensado aos funcionários do Executivo e do Legislativo, que terão
15,8%. Belchior observou, no entanto, que o Orçamento de 2013 foi encaminhado
ao Congresso com recursos para conceder apenas a primeira parcela de 5% para os
servidores de todos os Poderes. "Se o Legislativo aceitou as mesmas
condições do Executivo, não tenho como mandar diferente para o
Judiciário", afirmou.
A ministra confirmou a informação antecipada pelo Valor de
que o governo estuda a regulamentação do direito de greve dos servidores.
"Não decidimos ainda se vamos fazer um projeto de lei novo ou se vamos
aproveitar algum que esteja tramitando no Congresso", disse. Para ela, é
importante regulamentar várias questões, entre elas as condições para a greve,
a garantia de efetivo mínimo de servidores para manter a prestação de serviços
públicos à população, as condições para se fazer piquete e formas de se evitar
prejuízos para os cidadãos com a "operação padrão". A seguir, os
principais trechos da entrevista.
Valor: Qual é o balanço que a sra. faz das negociações deste
ano com os servidores?
Miriam Belchior: Acho que foi um processo vitorioso para o
governo e para os servidores. Foi vitorioso para o governo por duas razões. A
primeira é a questão da previsibilidade do gasto com pessoal nos próximos anos,
o que nos dá tranquilidade para pensar outros investimentos. A outra é que nós
conseguimos mudar a lógica das grandes reestruturações e mostrar que agora a
situação é outra.
Valor: Como assim?
Miriam: No período do presidente Lula, o ciclo foi de
reestruturações das remunerações dos servidores e de recomposição dos quadros,
como nas áreas de educação, segurança e ciência e tecnologia. Nesse período,
todas as categorias tiveram aumentos acima da inflação, aumentos reais. Em geral,
mais de 30%. Algumas categorias tiveram aumento real de mais de 50%. A partir
do ano passado, começamos outro ciclo. Eu tive uma reunião com as entidades
sindicais e disse que, do nosso ponto de vista, a lição de casa das grandes
reestruturações salariais tinha sido feita durante o governo do presidente Lula
e que estávamos em outro momento, não mais de recomposição, a não ser pontuais.
Valor: E o que a sra. ouviu dos servidores?
Miriam: A cabeça dos servidores ainda estava com a mesma
lógica anterior. Falavam em grandes reestruturações, muito acima de qualquer
parâmetro considerado razoável. Os pleitos apresentados por eles chegavam a R$
92,2 bilhões, metade da folha, ou 2% do PIB [Produto Interno Bruto].
"A nossa proposta foi aceita por 93,6% dos servidores;
alguns dos que a recusaram, se arrependeram"
Valor: Mas o governo conseguiu resistir a essa lógica.
Miriam: Nós demos tratamento diferenciado para algumas
categorias da área da educação, aos militares, à área ambiental e ao Incra. No
caso do Incra, não houve acordo, o que, do meu ponto de vista, causou até
tristeza, pois nós valorizamos uma área que é importante para o país e, por uma
radicalização desnecessária, deixou de aproveitar uma proposta que era muito
além do que foram os 15,8%. Nós conseguimos um passo importante ao mostrar que
o ciclo mudou, que não é mais a questão das grandes reestruturações. O governo
também demonstrou firmeza ao tratar dos excessos. Eles foram localizados, mas o
governo não tergiversou a respeito disso. Do ponto de vista dos servidores, o
processo também foi vitorioso, pois o acordo deu a eles previsibilidade e
proteção do poder de compra. A nossa proposta foi aceita por 93,6% dos
servidores.
Valor: O que vai acontecer com os 6,4% dos servidores que
não aceitaram o acordo?
Miriam: Esses não terão aumento no próximo ano. Alguns, por
convicção. Outros perderam o momento, como é o caso do Incra. Alguns se
arrependeram. Os funcionários do Banco Central e os analistas de
infraestrutura, por exemplo.
Valor: Não dá para incluir, durante as negociações do
Orçamento no Congresso, pelo menos os arrependidos?
Miriam: A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) diz que os
projetos com mudanças salariais de servidores precisam ser encaminhados ao
Congresso até o dia 31 de agosto. Nós não queremos abrir isso, porque esse
dispositivo é uma trava importante para organizar o processo negocial. É
injusto com quem fez acordo reabrir agora para quem não fez.
Valor: Eles terão que entrar na negociação do ano que vem, é
isso?
Miriam: Exatamente. Nas negociações para 2014.
Valor: E eles serão os últimos a terem negociações
salariais?
Miriam: Acreditamos que não haverá negociação para quem
recebeu os 15,8% até 2015. Vamos eventualmente discutir condições de trabalho e
outros assuntos. Mas do ponto de vista remuneratório, nós consideramos que
fechamos até 2015, dando tranquilidade, inclusive, a quem assumir o governo em
2015.
Valor: O governo pagou 50% dos dias parados aos grevistas.
Por que fez isso?
Miriam: Sim, pagamos. Em primeiro lugar, só para quem
suspendeu a greve. Para quem não suspendeu, foi mantido o corte. Depois, cada
ministério e seus servidores precisam apresentar um plano de reposição das
horas paradas. O Ministério do Planejamento terá que validar esse plano, que
precisará estar na internet, e a CGU irá verificar sua implementação.
Valor: O governo é criticado por ter demorado a negociar com
os grevistas...
Miriam: Do nosso ponto de vista, não houve atraso. Nós
tivemos que parar um pouco para fazer contas. Nós iniciamos este ano com uma
perspectiva melhor a respeito da economia internacional. Quando chegou em maio
e junho, a situação se complicou, pois era difícil saber o que iria acontecer
com a Europa. Exatamente no momento de iniciar as negociações, tivemos que
segurar um pouco para ver o que iria acontecer. Pois um contexto ou outro é
muito diferente para uma definição sobre a folha de salários, que é um montante
muito grande de recursos.
Valor: A proposta do Poder Judiciário para o reajuste dos
servidores é diferente dos 15,8%. Como vai ficar isso?
Miriam: Os entendimentos entre o Executivo e os demais
Poderes transcorreram em clima de grande harmonia e respeito, especialmente
conduzidos para fugir do impasse. Nós acertamos com a Câmara, o Senado e o
Tribunal de Contas da União (TCU) a proposta de 15,8% em três anos e eles
refizeram os projetos de lei que tinham apresentado antes. Se o Legislativo
aceitou as mesmas condições do Executivo, não tenho como mandar diferente para
o Judiciário. No Orçamento, mandamos recursos para a primeira parcela de 5%
para todos os Poderes. O Judiciário nos disse que entendia a situação, mas se
reservava o direito de ampliar um pouco, no Congresso Nacional, esse limite.
Valor: Durante a greve dos servidores, ocorreram alguns
abusos que recolocaram a necessidade de regulamentar o direito de greve. O
governo vai tomar a iniciativa e mandar um projeto ao Congresso?
Miriam: Não decidimos ainda se vamos fazer um projeto de lei
novo, ou se vamos aproveitar algum que esteja tramitando no Congresso. Estamos
primeiro delineando o que achamos que a lei deveria determinar. Há um
desequilíbrio entre o direito de fazer greve e os direitos da sociedade. As
pessoas estão chamando de lei de greve, mas, para nós, é mais uma lei de
relações de trabalho no setor público. Uma lei que estabeleça claramente o que
pode e o que não pode. É mais uma lei regulatória, do que punitiva. Portanto,
uma lei que seja democrática e garantidora de direitos, das duas partes: dos
trabalhadores e da sociedade. Não se trata de subtrair direito, mas de regular
direito. Do nosso ponto de vista, é preciso regular algumas questões.
Valor: Por exemplo?
Miriam: A negociação coletiva, prevista na resolução 151 da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.
Essa resolução trata fundamentalmente do direito de organização e de negociação
coletiva. Outra questão a regular é a greve. Primeiro se negocia e depois se
entra em greve. É importante que se apresente uma pauta de negociação, e que se
estabeleçam procedimentos de funcionamento da negociação. Ao decidir a greve, é
necessário fazer um comunicado formal, um aviso, e dizer como será mantida a
prestação de serviços à população. E, se tiver abusos, quais serão as sanções,
inclusive com mecanismos de responsabilização das entidades sindicais. Hoje,
isso tem sido garantido através do Judiciário. Nós acreditamos que o ideal é
que isso esteja na lei.
Valor: O que significa manter a prestação de serviços à
população?
Miriam: É garantir um efetivo mínimo de servidores para
prestar serviços, de forma diferenciada, de acordo com a natureza do serviço.
Hospital pode fazer greve? A sociedade precisa discutir quais as áreas que não
podem fazer paralisação, ou como se garantem os serviços nessas situações. Acho
que há um consenso de que isso deve ter uma regulação, e que ela deve ser
diferenciada dada a natureza do trabalho.
Valor: Que outras questões devem ser reguladas pela lei de
greve?
Miriam: É preciso definir quais são as condições para fazer
um piquete. É possível ter um espaço para o convencimento, mas isso não pode
ser feito de maneira coercitiva. Outra coisa foram os excessos cometidos na
chamada "operação padrão", que deram, recentemente, prejuízos aos
cidadãos. Como regular esse mecanismo? A lei precisa definir também o que o
governo pode fazer no caso de descumprimento do mínimo de serviços à população.
Ele precisa ser autorizado a fazer contratações temporárias, fazer convênio com
outro ente da federação ou outros mecanismos.
Valor: A presidente Dilma Rousseff determinou, por decreto,
a realização de convênios.
Miriam: Foi. Mas há questionamentos que podem feito por
decreto. Então, vamos colocar na lei para garantir essa condição.