quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Projeto de lei tenta esvaziar espaço público da AGU


Heráclio Mendes de Camargo Neto e Allan Titonelli Nunes
Consultor Jurídico     -     28/11/2012





Em setembro, o governo federal enviou ao Congresso Nacional o projeto de lei complementar, PLP 205/2012, que altera a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União, LC 73/93. Impossível não relacionarmos esse ato com as denúncias relativas à Operação Porto Seguro, pois o que está em jogo nessa queda de braços entre os gestores transitórios da AGU e os Advogados Públicos Federais é o enfraquecimento ou fortalecimento da advocacia de Estado em face de uma advocacia de governo sujeita a ingerencias políticas anti-republicanas. 


Assim, a nova Lei Orgânica da AGU deveria resguardar as atribuições constitucionais da Advocacia-Geral da União, função essencial à Justiça, órgão técnico responsável pelo controle da legalidade e constitucionalidade dos atos administrativos, pela prestação de consultoria ao Estado e pela defesa do patrimônio público.


Entretanto, logo no artigo 2º-A, o projeto de lei infringe o princípio constitucional do concurso público, transformando em membros da Advocacia-Geral da União os meros detentores de cargos de natureza especial e em comissão de conteúdo eminentemente jurídico. O dispositivo permite a nomeação de pessoas sem qualquer vínculo com a instituição para ocuparem altos cargos de chefia à revelia da Constituição Federal e dos princípios da moralidade, da impessoalidade e do concurso público.


O teratológico artigo representa um atentado ao Estado Democrático de Direito, reinaugurado em 1988, quando a Constituição eliminou do convívio da AGU e do serviço público o compadrio e o clientelismo, que envolviam as nomeações políticas sem critérios técnicos e sem o filtro da isonomia de oportunidades e da eficiência administrativa resguardadas pelo concurso público.


O disposto no artigo 58 do projeto abre as portas para a advocacia sem advogados, ao permitir que meros bacharéis em Direito, sem inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil e sem concurso público, ocupem os cargos na AGU, que devem ser exclusivos, conforme determina a Carta Magna.


E, se já é difícil, conquanto indispensável, o controle da probidade no serviço publico, imaginemos como será trabalhoso o controle de consultores privados sem qualquer vínculo ou compromisso com o Estado brasileiro.


O projeto de lei também engendra a hierarquização excessiva, que viola a independência técnica do advogado público, resguardada pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, tornando engessada a atuação dos advogados públicos federais.


Cita-se como exemplo o conteúdo dos parágrafos 5º e 6º do artigo 26, que possibilitam a punição por “erro grosseiro”, consistente na subjetiva, amorfa e antijurídica “inobservância das hierarquias técnica e administrativa fixadas na lei complementar, no regimento interno da Advocacia-Geral da União e nas disposições normativas complementares dos órgãos da Advocacia-Geral da União”, demonstrando uma clara tentativa imposição do entendimento pessoal do superior hierárquico imediato. Noutras palavras: mero ato normativo infralegal pode, em tese, vincular e, por fim, apenar a atuação dos advogados públicos, em detrimento da Constituição Federal e das Leis.

Nesse sentido, os advogados públicos federais já se submetem aos pareceres vinculantes da AGU e à hierarquia inerente ao serviço público federal. Todavia, a previsão abre a possibilidade de perseguição funcional, uma vez que filigranas administrativas subjetivas podem ser utilizadas para tentar inibir uma atuação impessoal e pública, além de cercear a independência técnica do advogado público para dizer o Direito.


Da mesma forma, o artigo 4º, XXII, do projeto concede ao Advogado-Geral da União o poder de suspender, com prazo determinado, a exigibilidade de créditos tributários e não-tributários no curso de processo de conciliação. Esse dispositivo de natureza eminentemente tributária é subliminarmente plantado num projeto de lei orgânica da Advocacia Pública Federal, sem qualquer relação com o objeto legislativo, criando uma situação esdrúxula de suspensão da exigibilidade do crédito tributário sem similitude no Código Tributário Nacional, o qual pode ser utilizado como instrumento político nefasto, em detrimento dos princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade.


Assim, é clara a tentativa de esvaziamento do espaço público da AGU na proposta, constatada em face do desproporcional alargamento da discricionariedade conferida às competências do Advogado-Geral da União e na possibilidade de privatização das consultorias jurídicas dos ministérios de Estado.


Portanto, sob nosso Estado de Direito e sob a custódia da opinião pública, ao apreciar o mérito do PLP 205/2012, o Parlamento brasileiro deve preferir a Constituição Federal à vontade do governante de plantão, salvaguardando a sociedade brasileira daqueles que buscam tratar a coisa pública como se sua fosse.

Heráclio Mendes de Camargo Neto é procurador da Fazenda Nacional, diretor de Assuntos Profissionais e Estudos Técnicos do Sinprofaz.

Allan Titonelli Nunes é procurador da Fazenda Nacional e presidente do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz).



Share This

Pellentesque vitae lectus in mauris sollicitudin ornare sit amet eget ligula. Donec pharetra, arcu eu consectetur semper, est nulla sodales risus, vel efficitur orci justo quis tellus. Phasellus sit amet est pharetra