João Valadares
Correio Braziliense
- 28/04/2013
A Corregedoria do Ministério das Relações Exteriores é um
órgão apático ante os malfeitos cometidos na pasta. Em 10 anos, apenas uma
funcionário foi desligado. Há casos de desvio de dinheiro público, homofobia,
assédio sexual e até sumiço de obras de arte. Mas punições são raridades.
A Corregedoria do Serviço Exterior do Itamaraty é uma
caixa-preta. Denúncias contra servidores, incluindo diplomatas, sobram. Faltam
soluções. Tem de tudo: desvio de dinheiro público, contas que não fecham,
homofobia, assédio sexual e até sumiço de obras de arte. As apurações são
tocadas no ritmo do "ninguém sabe, ninguém viu". Os resultados, quase
sempre nulos.
O embaixador Heraldo Póvoas de Arruda é chefe da Corregedoria desde 2005. A estrutura parece moldada para não funcionar. Conta com apenas dois oficiais e um assistente de chancelaria. O corporativismo é tão evidente que, nos últimos 10 anos pelo menos, de acordo com o Portal da Transparência, apenas um servidor acabou desligado do Ministério das Relações Exteriores (MRE).
O embaixador Heraldo Póvoas de Arruda é chefe da Corregedoria desde 2005. A estrutura parece moldada para não funcionar. Conta com apenas dois oficiais e um assistente de chancelaria. O corporativismo é tão evidente que, nos últimos 10 anos pelo menos, de acordo com o Portal da Transparência, apenas um servidor acabou desligado do Ministério das Relações Exteriores (MRE).
O descalabro é grande. Há casos graves em que nem sequer o
procedimento correicional é aberto. Em 2008, uma funcionária que trabalhava na
embaixada do Brasil em Berlim foi pega desviando cerca de 10 mil euros da renda
do setor consular, o dinheiro pago pelo cidadão aos postos do Itamaraty no
exterior por serviços como expedição de passaportes, vistos e certidões de
nascimento, entre outros. Ao ser questionado sobre o resultado oficial da
apuração, o MRE, por meio da assessoria de imprensa, informou que "o
assunto não teve desdobramentos correicionais". A justificativa oficial
aponta apenas que "a servidora reconheceu o erro e fez a devolução dos
débitos consulares".
Três anos depois, o Itamaraty decidiu realizar uma
"intervenção branca" na embaixada em Harare, capital do Zimbábue. O
Escritório Financeiro do Ministério em Nova York apurava para onde tinham ido
cerca de 300 mil dólares destinados a manter a embaixada. Já havia identificado
uma série de irregularidades na prestação de contas, como pagamento a
funcionários locais demitidos havia anos e recolhimento de benefícios
previdenciários a servidores inexistentes. Apesar da gravidade do caso, os
funcionários, segundo o MRE, sofreram apenas uma suspensão. O Itamaraty alega
que "os servidores envolvidos repararam, antes do julgamento, o dano
civil".
No ano passado, denúncias levaram à identificação de um
esquema de desvio de renda consular arrecadada pelo consulado-geral do Brasil
em Washington. A irregularidade era comandada diretamente por servidores da
repartição consular. Na ocasião, o chefe do posto, embaixador Luiz Augusto
Saint-Brisson de Araujo Castro, comunicou que era uma das situações mais
constrangedoras por quais ele havia passado em toda sua carreira. Mais uma vez,
os envolvidos receberam apenas uma suspensão após restituírem o valor dos
débitos identificados.
"Cuidado na gestão"
Em alguns casos, jogar para baixo do tapete significa apenas
retardar um problema que vai estourar mais para frente. É o caso do
cônsul-geral em Sydney, na Austrália, embaixador Américo Dyott Fontenelle, que,
agora, está sendo acusado de assédio moral e sexual, homofobia e abuso de poder
contra oito contratados locais e servidores públicos do posto. O novo
constrangimento já poderia ter sido evitado se a Corregedoria fosse ativa.
Em 2007, quando era cônsul-geral em Toronto, no Canadá, o diplomata foi acusado de assédio moral por contratados locais. Nada ocorreu. Apenas algumas recomendações óbvias, a exemplo de que o diplomata "tivesse maior cuidado na gestão das relações humanas, evitando condutas que pudessem ser interpretadas como ofensivas."
Em 2007, quando era cônsul-geral em Toronto, no Canadá, o diplomata foi acusado de assédio moral por contratados locais. Nada ocorreu. Apenas algumas recomendações óbvias, a exemplo de que o diplomata "tivesse maior cuidado na gestão das relações humanas, evitando condutas que pudessem ser interpretadas como ofensivas."
Mais uma vez, a Corregedoria, conhecida nos bastidores do
MRE como "encobertadoria", não seguiu em frente. "Devido à
dificuldade de se obterem provas materiais a respeito do incidente e às dúvidas
no tocante à efetiva ocorrência dos fatos imputados, não houve convicção
definitiva que justificasse a aplicação de medida correicional em face do
investigado", respondeu, durante a semana, o MRE. Na sexta, diante da
lentidão, funcionários do Consulado-Geral em Sydney encaminharam carta ao
ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, e ao corregedor, Heraldo
Póvoas de Arruda, cobrando a instauração de processo administrativo disciplinar
(PAD).
"Entendemos que a abertura do Processo de Apuração
Ética nº 2/2013 não impede, de forma alguma, a abertura de PAD. Por meio deste
novo abaixo-assinado, pedimos o afastamento preventivo dos acusados e, mais uma
vez, a abertura imediata de processo administrativo disciplinar", alegam
num dos trechos da carta.
Existem episódios curiosos. Em 2010, após realizar uma
inspeção patrimonial em seus bens, a embaixada do Brasil em Paris comunicou ao
Itamaraty que 18 obras de arte do seu acervo tinham sumido. Dois
ex-embaixadores na capital francesa ficaram em situação extremamente desconfortável.
Ninguém foi punido.
Na época, o MRE confirmou o sumiço. Um conselheiro ficou responsável pela apuração. Ouviu vários servidores, incluindo embaixadores. Durante a semana, o Itamaraty limitou-se a dizer "que se tratava de inventário desatualizado, após a baixa de bens."
Na época, o MRE confirmou o sumiço. Um conselheiro ficou responsável pela apuração. Ouviu vários servidores, incluindo embaixadores. Durante a semana, o Itamaraty limitou-se a dizer "que se tratava de inventário desatualizado, após a baixa de bens."
Em 2010, o chefe da embaixada do Brasil em Roma, José
Viegas, promoveu um casamento de amigos e recepção para convidados no Palácio
Pamphilj, sede da representação diplomática. Nada ocorreu. O diplomata garantiu
que pagou as despesas do próprio bolso, no entanto, usou a estrutura do prédio
público, custeado com dinheiro do contribuinte. Na quarta-feira, o Itamaraty
respondeu utilizando a mesma justificativa que o embaixador apresentou na
época. "Não há impeditivos para a realização de eventos de cunho privado
no palácio."
O Correio pediu ao MRE todos os processos citados, no
entanto, a assessoria de imprensa alegou que o pedido deveria ser realizado via
Lei de Acesso à Informação. O Itamaraty também não informou quantos casos
existem em andamento na corregedoria da pasta.
Nos bastidores, comenta-se que o embaixador Heraldo Póvoas
de Arruda está bastante desgastado com a cúpula do Ministério das Relações
Exteriores. A situação dele ficou ainda mais delicada após denúncia do Correio
que apontou a existência de 18 diplomatas que recebiam salários médio de R$ 20
mil e não trabalhavam. Na avaliação interna do ministério, ele seria um dos
responsáveis por não ter enquadrado aqueles servidores que não estão lotados.
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