BSPF - 13/05/2013
A abertura na semana passada de um processo administrativo
disciplinar para apurar assédio moral no consulado de Sydney expôs um problema
interno que preocupa o Itamaraty: o aumento das queixas de funcionários pelo
tratamento recebido por diplomatas. Ao contrário do que aconteceu com o caso
australiano, porém, a maior parte das reclamações acaba engavetada.
O SindItamaraty, o sindicato da categoria, encaminhou, no
ano passado, 12 denúncias consideradas consistentes à Corregedoria do
Ministério das Relações Exteriores. Nenhuma levou a investigações internas. O
caso em Sydney foi, até agora, o único levado adiante e pode causar a expulsão
do cônsul-geral Américo Fontenelle e de seu adjunto, César Cidade. Além do
assédio moral, Fontenelle é suspeito de fazer investidas de cunho sexual contra
funcionárias. Cláudia Pereira, que pediu demissão, escreveu uma carta ao
ministério afirmando que o cônsul dizia frases do tipo "adoro quando você
fica vermelha" ou "você está me deixando louco".
Os dois diplomatas pediram afastamento dos cargos. Ambos
dizem ser inocentes.
Entre os casos que acabaram engavetados, um envolve uma
embaixada brasileira no sudeste da África. Quatro funcionários acusaram
diplomatas de gritar, dizer palavrões e fazer ameaças de demissão a quem
pedisse, por exemplo, uma licença médica. Em menos de um ano, 16 pessoas foram
demitidas sumariamente.
Em outro caso que também não foi levado adiante, Antônio
Carlos, ex-motorista de um posto nos EUA, conta que passou poucas e boas na mão
de um embaixador, que já trocou de país, e especialmente de sua esposa.
"Fui expulso aos gritos de dentro da residência oficial porque entrei de
sapatos. Tinha que sair e limpar o sapato com álcool."
Em contato com a Associação dos Funcionários Locais do
Serviço Exterior (Aflex), o Estado recebeu queixas de outros 13 locais além das
encaminhadas pelo SindItamaraty. Há casos, por exemplo, de motoristas obrigados
a pagar multas causadas por serem forçados a esperar diplomatas em locais de
estacionamento proibido.
Uma servidora de um posto dos EUA diz que "funcionários
de apoio são diariamente humilhados e proibidos de circular pelas dependências
da repartição". Em outros dois postos nesse país, os funcionários foram
chamados para uma reunião e ameaçados de demissão se aderissem ao movimento
Despertar, que resultou na fundação da Aflex. Em uma foto (veja ao lado), um
grupo deles aparece vestido de preto e com tarjas nas bocas.
A Aflex foi criada em 2012, depois de um movimento para
organizar os funcionários. "Até hoje não fomos recebidos no
Itamaraty", diz Cláudia Rajecki, presidente da associação. Sem diálogo no
governo, o grupo enviou as queixas ao Ministério Público do Trabalho, que se
julgou incompetente para analisá-las. O conteúdo foi então repassado para a
Procuradoria-Geral da República, que ainda não deu resposta.
Ranking. Postos e diplomatas famosos por destratar
subalternos têm dificuldade para completar seus quadros. Oficiais e assistentes
de chancelaria chegaram a criar um ranking na internet em que classificam os
diplomatas desde aqueles considerados maravilhosos até os que devem ser
evitados a qualquer custo.
"Há postos que raramente conseguem completar seus
quadros até que mude o diplomata", diz Alexey van der Broocke, presidente
do SindItamaraty. "O que alguns diplomatas tratam como a ?cultura da casa?
cria ambientes insuportáveis de trabalho." Para o SindItamaraty, o
principal problema é a inoperância da Corregedoria, que raramente abre uma
investigação. Marcos Torres, vice-presidente do sindicato, acredita que com a
abertura do processo contra Fontenelle as coisas agora podem mudar.
Responsável pela área administrativa do Ministério das
Relações Exteriores, o secretário-geral, Eduardo Santos, diz que a pasta tem
procurado investigar as queixas que chegam à Corregedoria do Serviço Exterior,
mas nega que tenham sido encaminhadas 12 reclamações no ano passado. "No
exercício de 2012, nenhuma denúncia submetida ao crivo da Corregedoria do
Serviço Exterior versou sobre o tema ?assédio moral?", diz texto enviado
para a reportagem. Segundo Santos, havia de fato reclamações, mas elas se
referiam a outros tipos de delitos nos postos.
"Toda e qualquer denúncia será apurada com rigor,
conforme reiterou o ministro Antônio Patriota, sempre observando estritamente
os textos legais e procedimentos pertinentes", afirma o texto do
ministério. Sobre Sydney, Santos afirma: "Até a conclusão final (do
processo interno), serão estritamente observados, etapa por etapa, os
princípios que regem o Estado de Direito, em especial os preceitos
constitucionais da legalidade, imparcialidade, impessoalidade, do contraditório
e da ampla defesa".