Correio Braziliense
- 29/05/2013
O crescente número de concursos públicos feitos todos os
anos pelo Estado ainda não foi suficiente para mudar uma triste realidade do
país: a de que o governo, que, em tese, deveria dar o exemplo na contratação
legal de servidores, é um dos principais responsáveis pela utilização de
trabalho precário e mal remunerado de funcionários terceirizados. Em diversos
órgãos da Esplanada dos Ministérios, a exploração desses trabalhadores chega a
violar a lei, já que, não raro, eles exercem funções que deveriam ser restritas
a servidores concursados, como a cotação e a compra de material de escritório,
o controle do ponto de colegas e outros trabalhos considerados como
atividade-fim da administração pública.
No Ministério da Fazenda, a seleção de novos funcionários
sem vínculo formal vai ser questionada pelo Ministério Público do Trabalho
(MPT). Lançada em abril, a licitação para escolha de uma nova prestadora de
serviços pode estar em desacordo com o decreto nº 2.271, de 1997, que
estabelece regras para a contratação de funcionários pela administração pública
federal.
O Correio teve acesso ao processo em que a empresa PH
Serviços e Administração LTDA saiu-se vitoriosa ao dar lance de R$ 10,890
milhões. O contrato seria para a prestação de serviços de apoio administrativo,
"nas atividades de recepção e secretariado de nível médio". O
documento foi repassado ao procurador do trabalho Fábio Leal Cardoso, da 10ª
Região, que engloba o Distrito Federal e Tocantins.
Após analisá-lo, Leal disse ter percebido "indícios
claros" de violação de acordo firmado pelo MPT e a União em 2010. O termo
estabelece quais funções os terceirizados podem exercer na administração
pública. "Nenhuma delas, porém, pode ser de secretária ou de apoio administrativo",
disse Cardoso. Diante da suspeita de irregularidade, o MPT irá designar um
procurador responsável para cuidar do caso. "Nos próximos dias, vamos
intimar a União para que preste esclarecimentos sobre esse contrato da Fazenda",
avisou.
A confusão com os trabalhadores sem vínculo do órgão ficou
clara após a publicação, na última sexta-feira, de uma portaria no Diário
Oficial da União que comunicava a extinção de 463 postos de terceirizados na
Fazenda. No documento, anunciava-se a eliminação dos cargos de apoio e
assistente administrativo, auxiliar de escritório, técnico de suporte,
secretária e agente de serviços gerais.
Reacomodados
O comunicado gerou preocupação naqueles que ainda ocupavam
esses cargos, mas a informação de que eles seriam reacomodados com a nova
licitação acalmou parcialmente os ânimos. Oficialmente, a Fazenda confirma que
143 vagas de trabalho foram encerradas, e que 326 funcionários serão admitidos,
sendo 210 secretárias de nível médio e 116 recepcionistas. A respeito dessa
etapa, a pasta avisa que a contratação ainda está em fase de
"formalização".
Segundo alertou o procurador do trabalho Fábio Leal, caso a
licitação seja considerada irregular, a União deverá receber multa de até R$ 1
mil por funcionário irregular contratado pela Fazenda ou o juiz poderá
determinar o cancelamento do processo. "O que buscamos sempre é chegar em
um acordo, porque o objetivo do MPT não é multar, mas eliminar a precarização
do trabalho", disse o também procurador do trabalho José de Lima Ramos
Pereira, coordenador nacional de Combate a Fraude nas Relações do Trabalho.
"Hoje, não só pela frágil relação de trabalho dos terceirizados, que é de
precariedade total, a contratação de pessoas sem vínculo funcional, por meio de
empresas privadas, abre muitas brechas para todo tipo de corrupção no setor
público", afirmou Ramos Pereira.
Solução distante
A preocupação do MPT com os terceirizados na Fazenda expõe a
frágil situação das relações de trabalho existentes na Esplanada dos
Ministérios. Datado de 2006, um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU)
já determinava a substituição de todos eles em no máximo quatro anos. Quase
sete anos depois, porém, ainda há 15.095 trabalhadores atuando de forma
irregular em órgão públicos, autarquias e fundações federais. Conforme
estabelece o decreto nº 2.271, somente são permitidos terceirizados em áreas
como limpeza, manutenção, transporte e recepção (veja arte).
Há três anos, com o fim do primeiro prazo, no entanto, ainda
restavam 17.984 servidores nessa situação, 80% deles na administração indireta.
O limite para a regularização foi prorrogado até o fim de 2012 e, depois, até
fevereiro de 2013, quando foi paralisado por um recurso. De acordo com o
Ministério do Planejamento, 90% dos irregulares dos órgãos públicos foram
substituídos, restando ainda 2.630 funcionários. O maior problema, contudo,
está na administração indireta, onde ainda restam 12.465 empregados em
desacordo com a legislação sem "cronograma definido, apenas a recomendação
para que as substituições ocorram".
Em alguns órgãos, a situação já chegou a extremos. De acordo
com o último relatório de Contas do Governo, de 2011, os Ministérios do
Esporte, do Desenvolvimento Social e do Turismo tiveram despesas com
terceirizados — regulares e irregulares — na ordem de R$ 197,5 bilhões, maiores
do que os gastos com pessoal formal.
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