Correio Braziliense
- 20/08/2013
O número é equivalente a um terço dos funcionários da Casa.
Para órgãos de controle, entidades de combate à corrupção e especialistas em
gastos públicos, a regalia abre brechas a irregularidades. No Senado, um seleto
grupo de 2.281 servidores — o equivalente a 34% do total — está dispensado de
bater o ponto eletrônico, utilizado para verificar a assiduidade e a presença
dos funcionários. Embora a prática não seja ilegal, órgãos de controle, o
Ministério Público, entidades de combate à corrupção e especialistas em gastos
públicos asseguram que a regalia favorece a abertura de brechas para
irregularidades, como a existência de empregados fantasmas. A liberação é mais
frequente nos gabinetes. Dos mais de 2,2 mil servidores sem a obrigação de
bater ponto, 90% estão lotados nos escritórios dos senadores, seja em Brasília
ou nos estados.
O ponto eletrônico foi instituído no Senado em 1º de abril de
2011, após o escândalo que revelou o pagamento de R$ 6,2 milhões em horas
extras para 3.883 funcionários, entre janeiro e fevereiro de 2010, durante o
recesso parlamentar. Entretanto, no mesmo dia em que o sistema passou a
funcionar, foram criadas exceções à regra. Imediatamente, 1.060 servidores
ficaram liberados de registrar presença, 363 a pedido dos senadores. Para Frederico
Paiva, procurador da República no Distrito Federal, as brechas no sistema não
geram apenas ônus ao erário: a falta de punições incentiva as irregularidades.
"Não há interesse político para que essa situação mude. Quando sabemos de
um caso, investigamos e até conseguimos provar, mas, às vezes, o máximo que se
consegue é a exoneração. Em 10 anos, não conseguimos reaver nem um centavo da
verba pública gasta com essa prática. A irregularidade acaba valendo a pena.
A
gente aqui fica enxugando gelo, dá sempre uma sensação de déjà vu",
lamenta. O especialista em administração pública da Universidade de Brasília
(UnB) José Matias-Pereira ressalta que a dispensa do ponto em si não configura
ilegalidade, mas ele estranha o número de dispensas no Senado. "Ninguém
tem dúvida de que, eventualmente, para um chefe de gabinete ou um servidor
envolvido em atividades de apoio, é difícil exigir que ele cumpra ponto. Mas
quando se tem um número significativo, de um terço, há uma janela aberta para
proteger apadrinhados", argumenta. Já o coordenador do Movimento de
Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), Márlon Reis, defende ser necessária a
divulgação dos nomes dos servidores e dos motivos para as dispensas.
"Só
assim saberemos se não há exageros. O Estado tem de assumir o protagonismo na
divulgação dessas informações. A sociedade precisa saber", cobra.
Procurado pela reportagem, o Senado não quis comentar o assunto. Dos 81
senadores, apenas dois não dispensam parte dos funcionários do gabinete de
baterem ponto: Rodrigo Rollemberg (PSB) e Cristovam Buarque (PDT), ambos do
Distrito Federal. "Estou surpreso que sou um dos únicos", diz o
pedetista. Segundo Cristovam, que já adotou a prática no passado, a decisão de
cobrar o ponto atualmente visa a evitar qualquer desconfiança. "Assim fica
claro que não há fantasmas no meu gabinete." Além de cobrar o ponto,
Cristovam proíbe os servidores de fazer hora extra.
A única exceção é o
motorista. Rollemberg não foi localizado para comentar o assunto. Câmara
Enquanto o Senado lida com um ponto eletrônico seletivo, na Câmara o controle
ainda engatinha. A presença dos 15,7 mil funcionários contratados pela Casa é
registrado apenas em uma folha manual, e o cumprimento dos horários são
observados somente pelos chefes diretos. O aparato eletrônico é utilizado
apenas quando há sessão noturna, para marcar horas extras. Anunciado para
funcionar integralmente em abril, o sistema está em fase de testes até hoje. O
registro eletrônico dos horários de funcionários foi apontado nos últimos dois
anos pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pelo Ministério Público Federal
(MPF) como medida essencial para conter gastos e evitar a existência de
funcionários fantasmas.
Em março passado, a Casa anunciou que implantaria o
sistema para todos os horários e funcionários em abril, o que acarretaria
economia de R$ 22 milhões por ano ao parlamento. Mas os primeiros testes
começaram apenas em 5 de agosto. Por enquanto, somente 600 servidores efetivos
registram a entrada, a saída e o horário de almoço de forma eletrônica. Pelo
menos até setembro, os demais continuarão assinando manualmente a folha de
ponto.
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