Roberto Bocaccio Piscitelli
Correio Braziliense
- 07/11/2013
Nas últimas semanas, falou-se com muita frequência e pouca
isenção sobre o teto constitucional dos Servidores Públicos, hoje fixado em R$
28.059,29. O assunto sempre aparece associado a ideias tais como privilégio,
desperdício e, mais recentemente, corrupção. Também é muito comum compará-lo
com o salário mínimo de R$ 678 e com a renda média da população ocupada, de R$
1.883.
Vamos tentar desmistificar um pouco a questão e tratá-la de
forma mais equilibrada. Em primeiro lugar, o teto, na Constituição, é mais uma
jabuticaba brasileira; não existe em outros países que sirvam para comparação.
Em segundo lugar, o referido teto só é aplicado a determinadas categorias de
servidores (ou empregados) públicos e em determinadas circunstâncias; não se trata,
portanto, sequer de uma questão de isonomia.
Terceiro: há um esquecimento proposital de que, no serviço
público, as categorias de níveis de remuneração mais elevados sofrem descontos
- compulsórios - da ordem de 40%! (Ao nível do teto, a remuneração líquida, em
regra, não passa de algo em torno de R$ 17 mil.) Aliás, os assalariados do
setor público (e outros assalariados) não têm a prerrogativa de profissionais
de vários setores e atividades, que podem escolher o tipo de pessoa jurídica e
o regime tributário que lhes convêm, efetuar uma série de abatimentos e pagar
muito menos Tributos diretos que os demais trabalhadores.
A propósito, é muito contraditória a posição de alguns
formadores de opinião, que criticam sistematicamente a atuação de funcionários
e a qualidade dos serviços públicos, apesar das exigências crescentes para
ingresso nos quadros da administração; afinal, seria ótimo que não houvesse
tanta gente que não precisa de concurso público, uma forma democrática
remanescente capaz de promover ascensão social pelo esforço e pelo mérito.
Nem se diga que são poucas as responsabilidades e restrições
no exercício de suas funções próprias e quaisquer atividades (durante e depois
do exercício dos cargos). Também parece passar despercebido que a remuneração e
quaisquer vantagens de um modo geral estão reguladas em normas legais e
sujeitas à mais ampla publicidade. Hoje, não existe qualquer privacidade: os
contracheques, via internet, estão à disposição de qualquer habitante do
planeta, aí incluídos criminosos de todos os matizes.
Na realidade, o teto existe especialmente para os
concursados, de preferência para os que não são amigos dos reis. Esses e os
próprios reis são os que podem driblar esses limites por meio dos benefícios
indiretos, representados por um farto e variado elenco de complementações,
indenizações ou compensações: com auxiliares, assessores e empregados,
veículos, viagens, telefones (a relação é quase inesgotável), todo o tipo de
despesa de representação, passando por participações em conselhos ou
organizações as mais diversas.
A demonização do Servidor Público continua elegendo e
mantendo muita gente no poder. E é também um prato cheio para todos os tipos de
controles, que não são capazes de evitar ou reparar os desvios de bilhões, mas
são implacáveis com certas formalidades.
É oportuno destacar que, pior que a falta de controle, é o
controle oportunista, com objetivos políticos ou midiáticos. Pior que a falta
de regras é a mudança de regras, é a falta de critérios para aplicar e interpretar
a legislação, o que leva à loucura a vida das pessoas, diante da possibilidade
sempre renovada de, a qualquer momento - muitas vezes pela modificação na
composição ou pela simples presença de diferentes integrantes, a cada momento,
em um órgão colegiado - termos de rever todos os nossos planos. A precariedade
e a instabilidade da ordem jurídica no Brasil são, em grande parte,
responsáveis não apenas pela aversão aos investimentos, como também pela
frustração das expectativas individuais.
Artigo: Roberto Bocaccio Piscitelli Professor da UnB e
membro do Conselho Federal de Economia (Cofecon)
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