Sérgio da Luz Belsito
Valor Econômico - 30/04/2013
O governo da presidente Dilma ganhou algum fôlego no cabo de
guerra que travara com o funcionalismo público ao firmar, em 2012, acordo de
reposição parcial das perdas salariais. Mas o armistício pode ser suspenso e
ser aberto novo flanco de enfrentamento caso as previsões de alta da inflação
se confirmem, pelo menos, por parte das entidades representativas, que
pertencem às chamadas carreiras exclusivas de Estado, com importância
fundamental para os projetos estratégicos do governo.
As condições para que o funcionalismo assinasse a proposta
do governo foram aceitas dentro de um contexto. Qualquer mudança de cenário que
represente mais perdas salariais exigirá novas bases de negociação. O
funcionalismo está atento e vai reagir às mudanças "atmosféricas" da
inflação. Se as nuvens ficarem cinzas e pesadas, vamos pedir a revisão do
contrato firmado.
Esse pequeno contingente, 7% de todo o funcionalismo,
pertence a cinco núcleos essenciais do aparelho de Estado: 1) o do sistema
financeiro, Banco Central, Superintendência de Seguros Privados (Susep) e
Comissão de Valores Mobiliários (CVM), 2) o de arrecadação (Receita Federal e
Auditoria do Trabalho), 3) o de regulação (agências reguladoras), 4) o de
infraestrutura, Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit) e
especialistas e analistas de infraestrutura) e 5) o de segurança pública,
agentes, papiloscopistas e escrivães da Polícia Federal.
Entidades das carreiras típicas de Estado defendem a
manutenção da atual política econômica
O pessoal do núcleo financeiro, por exemplo, é que maneja os
mecanismos que levaram à redução da taxa de juros, ao controle do câmbio e da
inflação, temas considerados chave para a estabilidade financeira do país.
As carreiras da auditoria da Receita e do Trabalho,
respectivamente, cuidam da arrecadação dos tributos (impostos, contribuições e
taxas) e do combate ao trabalho degradante, portanto, fundamentais para
garantir recursos no tesouro, especialmente neste momento de crise econômica e
desoneração de tributos, e dignidade aos trabalhadores brasileiros.
Os servidores das agências reguladoras, neste momento em que
o governo implementa o chamado PAC das Concessões (aeroportos, portos,
rodovias, ferrovias e energia), serão fundamentais para fiscalizar e regular os
concessionários e prestadores de serviço, de modo que os consumidores e a população
em geral recebam serviços de qualidade e a preço justo.
O pessoal da infraestrutura, que é responsável pela
execução, no caso dos servidores do Dnit, e pelo planejamento, fiscalização e
gestão das obras, no caso dos analistas e especialistas em infraestrutura, faz
parte de outro programa fundamental da presidente Dilma.
Finalmente, os agentes, papiloscopistas e escrivães da
Polícia Federal, além de cuidar das diligências e serviços de inteligência da
Polícia, têm a responsabilidade de garantir a segurança dos grandes eventos que
acontecerão no Brasil nos próximos anos, como a Copa das Confederações, a Copa
do Mundo e as Olimpíadas.
Colocando em outras palavras, a condução da política
econômica interessa, e muito, a essa parcela do funcionalismo, porque eventual
erro vai afetar ainda mais o já corroído salário dos servidores.
As entidades das carreiras típicas de Estado defendem a
manutenção da atual rota de controle da inflação e do estímulo à produção
industrial.
O remédio para evitar que se repitam nos próximos anos
situações como essa, de exaustivas e instáveis negociações salariais, será a
regulamentação da Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT),
que trata da negociação coletiva no serviço público.
A organização sindical, seja no setor privado, seja no
serviço público, segundo a Organização Internacional do Trabalho, pressupõe
três condições: o direito de sindicalização, o direito de negociação e o
direito de greve. No caso dos servidores públicos brasileiros, apenas o
primeiro está assegurado legalmente.
O processo de negociação no serviço público foi, em 2012,
recheado de falhas e conduzido sem as regras nem os cuidados que temas dessa
importância e complexidade requerem, conforme recomenda a Convenção 151 da OIT,
recentemente ratificada pelo Brasil.
Houve falhas estruturais - como a ausência de regulamentação
da própria Convenção 151 da OIT, a falta de uma política salarial, o
descumprimento do preceito constitucional que obriga a revisão geral anual e a
lacuna no direito de greve - e falhas conjunturais e de condução do processo.
Essa convenção, embora não tenha o poder de tornar o que for
negociado "lei das partes", pelo menos define o procedimento e os
prazos para apresentação de propostas e conclusão da negociação, com todas as
etapas do processo, sem surpresas nem improvisos, como ocorreu no ano passado.
O Congresso Nacional pode e deve ajudar na superação dessas
falhas, seja estruturalmente, atuando para criar as condições para o pleno
exercício da atividade sindical no serviço público, seja pontualmente mediando
o atual conflito. No primeiro caso, os parlamentares podem tomar as
providências para assegurar a revisão geral e propor a regulamentação do
direito de negociação e o direito de greve, para evitar que problemas como os
ocorridos este ano se repitam.
Finalmente, registre-se que mesmo que seja
institucionalizado, com a Convenção 151 da OIT, o direito de negociação
coletiva, isto não prescindirá da adoção de uma política salarial dos
servidores públicos, com direito a revisão geral anual com índice que reponha o
poder de compra, deixando o instrumento da negociação para aumentos reais e
melhorias de condições de trabalho.
Acompanhe o noticiário de Servidor público pelo Twitter