Antonio Temóteo
Correio Braziliense -
29/11/2013
Volume de débitos do funcionalismo com os bancos é 7,5 vezes
maior que a fatura dos trabalhadores da iniciativa privada
Os servidores públicos já devem R$ 135,2 bilhões aos bancos
por meio de empréstimos consignados, volume 7,5 vezes maior que os débitos de
trabalhadores da iniciativa privada, segundo o Banco Central. O montante é duas
vezes superior à fatura de R$ 65,7 bilhões que os beneficiários da Previdência
têm pendurada com as instituições financeiras, na mesma modalidade de crédito.
No acumulado do ano, os recursos a serem descontados na folha de pagamento do
setor público cresceram 16,5%, acima dos 12% do total geral das operações.
Os dados surpreendem, uma vez que a soma de servidores
estatutários e militares no país, conforme pesquisa do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), chega a 6,9 milhões de pessoas ante 46,6
milhões de trabalhadores do setor privado e 27,7 milhões de segurados da
Previdência. Dois fatores ajudam a explicar o forte endividamento do
funcionalismo público: a estabilidade no emprego e o salário maior. Em
setembro, a renda média dos servidores foi de R$ 3,2 mil, 84,5% acima da
registrada entre os profissionais do setor privado com carteira assinada, de R$
1,7 mil.
Supervisionados pelo Ministério do Planejamento, os
empréstimos consignados do funcionalismo federal têm limite legal de
comprometimento da renda de, no máximo, 30%. As dívidas podem ser pagas em até
60 parcelas. O problema, ressaltaram técnicos do Banco Central, é que boa parte
dos servidores, além do consignado, acumula débitos pesados no cartão de
crédito e está atolada no cheque especial, que tem as maiores taxas de juros do
mercado, de 10% ao mês, em média. Também há muitos pagando prestações de carros
e da casa própria.
Segundo o chefe do Departamento Econômico do Banco Central,
Tulio Maciel, com as características diferenciadas do funcionalismo, que
reduzem os riscos de calotes, os bancos se sentem mais confortáveis em
emprestar para esse público. Soma-se a isso o fato de os brasileiros estarem
cada vez mais informados sobre o custo do crédito, o que os leva a buscar
linhas de financiamento com taxas mais baixas. Na média, os juros dos
empréstimos com desconto em folha para o funcionalismo estão 22,4% ao ano,
contra 88,1% anuais do crédito pessoal normal e 144,5% do cheque especial.
“Percebemos que o crédito com menor custo ganha mais espaço em detrimento do
mais caro”, afirma. Uma boa notícia.
Cautela
A despeito dos juros menores, o endividamento crescente dos
servidores públicos merece atenção, afirma o educador financeiro Mauro Calil.
Para ele, é preciso muita cautela na hora de se tomar qualquer empréstimo ou
financiamento, de forma a se evitar desequilíbrios desnecessários no orçamento
doméstico. O ideal, destacou, é que as pessoas — e isso vale para todos os
consumidores — façam uma poupança para comprar à vista em vez de recorrerem a
empréstimos para consumir. Calil destaca ainda que o endividamento, mesmo que
justificável, não deve ser exagerado, pois o pagamento de prestações compromete
a margem de flexibilidade da renda familiar quando surgir uma eventualidade,
como uma doença.
Calil assinala que, nos casos em que os consumidores
estiverem com a corda no pescoço, o ideal é verificar o saldo da dívida, qual a
instituição credora, as taxas de juros que estão sendo pagas e o prazo da
dívida. “Depois disso, negociem condições melhores e, se for necessário, vendam
um bem, como um carro, para diminuir a dívida ou quitar o total dos débitos. As
pessoas precisam seguir esse planejamento à risca, porque qualquer deslize pode
comprometer a renda de toda a família”, frisa.
O servidor público João Dias do Amaral, 30 anos, se empolgou
com a oferta de crédito que tinha disponível no banco após passar em um
concurso. Ele se viu endividado em menos de um ano e meio de trabalho. Comprou
um apartamento, trocou de carro e fez uma viagem ao exterior. Os gastos
excessivos comprometeram mais de 50% do salário. Para sair do sufoco, João foi
obrigado a recorrer aos pais a fim de quitar uma parte dos débitos.
“Felizmente, me reequilibrei. Pago o que devo e, agora, já consigo poupar um
pouquinho para qualquer necessidade”, conta.
Educação
O educador financeiro Álvaro Modernell alerta que o controle
das finanças pessoais é a chave para não cair nas armadilhas do endividamento.
Segundo ele, o brasileiro é impulsivo, consome de maneira exagerada — sobretudo
quando passa a ganhar mais ao entrar no setor público — e, ao se dar conta, já
está com o orçamento comprometido. No entender dele, o problema não está
relacionado à falta de informação, pois há divulgação em massa sobre o custo do
dinheiro.
Modernell aconselha que os consumidores comprometam, no
máximo, 20% da renda com empréstimos e financiamentos para ter uma reserva em
situações de emergência. “Em muitos casos, a pessoa só se preocupa com o valor
da parcela, se esquece dos prazos alongados e das taxas de juros, que estão
subindo. O certo é pensar em um processo de reeducação das clientes, para que
deem mais importância aos gastos diários”, sinaliza.
Ao ter problemas com um financiamento habitacional e um
empréstimo consignado, o servidor Luís Paulo Farias, 39, procurou a ajuda de um
profissional para controlar as finanças. “Eu gastava compulsivamente com coisas
fúteis. Mas aprendi a lição. Fiquei sem quase nada no bolso. Agora, faço uma
economia mensal, inclusive para viagens”, conta.
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