Vera Batista
Correio Braziliense
- 17/03/2015
Aumento de 27,3% reivindicado pelo funcionalismo implica
acréscimo de R$ 69,9 bilhões na folha da União. Valor supera a meta de
superavit do governo federal, de R$ 55,3 bilhões. Para analistas, correção não
pode ir além de 7,9%
Os servidores públicos federais iniciaram a campanha
salarial de 2015 reivindicando um reajuste linear de 27,3%. O pedido, no
entanto, é considerado irreal pelos analistas, pois, se atendido, acrescentaria
uma fatura de quase R$ 70 bilhões por ano às despesas com o funcionalismo. Caso
ceda à pressão, o governo jogará pelo ralo todo o esforço vem fazendo para
cumprir a sua parte na meta de superavit primário (economia para pagar os juros
da dívida) do setor público, que é de R$ 55,3 bilhões, ou 1% do Produto Interno
Bruto (PIB). Com isso, a esperança de resgatar a confiança na política
econômica e atrair novos investimentos estrangeiros para o país viraria fumaça
da noite para o dia.
Em 2014, o Tesouro Nacional teve uma despesa de R$ 239,4
bilhões com o pagamento de salários, aposentadorias e pensões de 2.176.959
servidores ativos, inativos e pensionistas da União, segundo o Boletim
Estatístico de Pessoal, do Ministério do Planejamento. Para 2015, a previsão
inicial de gastos é de R$ 256 bilhões. Se forem acrescidos os 27,3% pedidos
pelos funcionalismo, os gastos subirão em 2016 para R$ 325,9 bilhões - um
acréscimo de R$ 69,9 bilhões.
O pleito dos servidores será apresentado oficialmente na
próxima sexta-feira ao ministro do Planejamento, Nelson Barbosa. O reajuste de
27,3% equivale à variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA) estimada para o período de agosto de 2010 a julho de 2016, em torno de
44%, descontados os 15,8% concedidos anteriormente em três parcelas (2013, 2014
e 2015), mais um ganho real de 2%. Mas o impacto do aumento na folha salarial
pode estar subestimado. A conta tende a ser ainda maior porque várias carreiras
pedem correções superiores a 55%.
Além disso, no apagar das luzes de 2014, o Congresso
aumentou os salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF); do
procurador-geral da República; dos deputados e senadores; da presidente e do
vice-presidente da República; e dos ministros de Estado. O aumento dos 11
ministros do STF teve forte impacto nos gastos da União, já que os seus
vencimentos servem de base para calcular os salários dos 16.429 juízes do país.
No caso do Ministério Público, o reajuste implica correção dos vencimentos de
12.262 procuradores. No total, o impacto anual dos aumentos é calculado em R$ 3,8
bilhões.
Para analistas, o governo tem margem para conceder reajuste
de, no máximo, 7,9%, que é a previsão do mercado financeiro para a inflação de
2015, conforme o Boletim Focus, do Banco Central. Isso significa que os
servidores terão que se contentar com bem menos do que pedem.
"Um reajuste de 27,3% é praticamente impossível. Depois
de muitos erros, o Planalto está no rumo certo, mas precisará de habilidade
para negociar em várias frentes. O Congresso terá de entender isso e aprovar as
medidas provisórias reduzem a desoneração da folha de pagamento e endurecem as
regras para os benefícios previdenciários", avaliou Fábio Klein, da
Consultoria Tendências.
Klein avaliou como "perigosa" a queda de braço
entre a equipe econômica e o Legislativo. "Infelizmente, o ajuste parece
não ser fundamental para a agenda política. Foi por isso que Joaquim Levy
(ministro da Fazenda) ensaiou pedir demissão", disse. "Se Levy jogar
a toalha, será o caos. Vamos perder o grau de investimento", completou
José Matias-Pereira, especialista em finanças públicas da Universidade de
Brasília (UnB).
Para Matias Pereira, o governo deveria dar o exemplo e
cortar na própria carne. "Até hoje ninguém entende o porquê de haver 39
ministérios. Poderiam ser 18, no máximo 22. Além disso, sobram cargos em
comissão. São essas decisões equivocadas de um governo perdulário, complicado
pelo cenário de corrupção, que fazem as representações sindicais apresentarem
números mirabolantes", assinalou.
Os servidores contestam a análise dos economistas. Com base
em dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
(Dieese), argumentam que a despesa com salários, que correspondia a 56,21% da
receita corrente líquida, em 1995, caiu para 30,05% em 2012. Para o presidente
do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda (Sinprofaz), Heráclio
Camargo, a equipe econômica apenas finge fazer ajuste fiscal. "É uma
farsa. O governo arrocha a classe média para entregar tudo aos banqueiros.
Basta ver que os juros estão aumentando. A cada 0,5 ponto de alta da taxa
Selic, são gastos R$ 11,5 bilhões por ano com a dívida", alegou.