Vera Batista
Correio Braziliense
- 02/07/2015
Segundo ministro do Planejamento, aumento aprovado pelo
Congresso, de até 78%, é insustentável e será barrado. Funcionários da Justiça
têm remuneração 60% maior do que os do Executivo e passarão a receber 170% mais
A presidente Dilma Rousseff desembarca hoje no Brasil em
meio a uma saia-justa imposta pelo Congresso Nacional. No momento em que o
governo se esforça para equilibrar as contas públicas, irrompe uma decisão que
pode dificultar ainda mais o ajuste fiscal. Na terça-feira, o Senado aprovou
projeto de lei que dá aos servidores do Judiciário reajuste de até 78%. O
impacto nos cofres da União, de acordo com os cálculos do Ministério do
Planejamento (Mpog), é de R$ 25,7 bilhões, sendo R$ 1,5 bilhão, em 2015. Com a
proposta aprovada, as diferenças salariais entre o Judiciário e o Executivo,
antes de 60%, sobem para 170%.
Ainda em solo norte-americano, a presidente classificou a
decisão como "lamentável". Porém, diante de uma gestão considerada
fraca e com alto nível de rejeição (68%), tentou amenizar o comportamento dos
senadores. "Eu não chamaria essas ações de desafios. Fazem parte da
democracia. Achamos lamentável porque é insustentável um país como o nosso, em
qualquer circunstância, dar níveis de aumento tão elevados".
Ela agradeceu ao Congresso pela aprovação de "uma parte
expressiva do ajuste fiscal", e preferiu não declarar se vai sancionar ou
não o texto aprovado. "Não discuto veto antes da hora. Tenho que respeitar
o procedimento legislativo", esquivou-se. Já o ministro do Planejamento,
Nelson Barbosa, não poupou palavras. Tachou a proposta
"insustentável" do ponto de vista fiscal e "injusta
socialmente" e garantiu que "não resta alternativa ao governo a não
ser vetar isso e continuar tentando construir uma solução".
Segundo Barbosa, até agora, os problemas fiscais brasileiros
"são administráveis", mas podem degringolar se o Congresso seguir
aprovando aumentos de despesas e reduzindo receitas do governo. "Esse é um
problema que não é só do governo federal, é de todos. Se as contas fiscais
ficarem prejudicadas, a inflação vai subir, o poder aquisitivo da população vai
ser afetado", disse o ministro.
Na análise do economista Fábio Klein, especialista em
finanças públicas da Consultoria Tendências, não resta dúvida que "essa
foi mais uma bolada nas costas do governo. Percebe-se que o Legislativo vai
continuar querendo pautar a agenda neste momento em que o Executivo está fraco
e com baixa capacidade de coordenação", afirmou. Ontem, o ministro Marco
Aurélio Mello disse, à saída da última sessão do Supremo Tribunal Federal (STF)
no semestre, que houve "achatamento" salarial no decorrer do tempo
para os servidores, que "não podem ser tomados como bode expiatório".
O ministro Luiz Edson Fachin disse que o aumento concedido
pelo Senado aos funcionários do Judiciário merece atenção por causa do ajuste
fiscal. "É um momento de mais cautela e obviamente de contenção",
afirmou. "É preciso que haja, de todos os segmentos, neste momento, uma
compreensão da situação em que as receitas públicas e os cofres estão."
Ao aprovar o reajuste sem levar em conta um possível acordo
com o Executivo, o Senado ignorou avaliação de especialista da própria Casa. Em
nota técnica, a Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado
Federal, conforme adiantou ontem o Correio, aponta que o reajuste aprovado
provocaria expressivo crescimento nos ganhos dos servidores, de 199,45%
(analista judiciário, padrão final) a 361,82% (auxiliar judiciário inicial), em
relação à remuneração real de 1º de janeiro de 1997.
O impacto total do projeto - de R$ 1,5 bilhão, em 2015, R$
5,3 bilhões, em 2016, R$ 8,4 bilhões, em 2017, e R$ 10,5 bilhões, em 2018 -
poderá levar alguns tribunais a ultrapassar sua cota no limite orçamentário. O
Judiciário como um todo não pode gastar mais do que 6% da Receita Corrente
Líquida (LCR) da União.
Entre 2005 e 2008, segundo o Planejamento, todas as
carreiras do Judiciário tiveram as remunerações reajustadas em percentuais
próximos a 60%. Entre 2009 e 2012 não houve reajuste, mas na negociação
salarial de 2012, os servidores foram contemplados com os 15,8% em três
parcelas anuais. Em janeiro passado, a alta foi de 8,4%. A meta do governo é
que o gasto com pessoal continue em 4,1% do PIB, até 2019.
(Colaborou Eduardo Militão).