Consultor Jurídico
- 30/11/2016
Venho, há muito, mais exatamente desde o momento em que
integrei o Conselho Nacional de Justiça (biênio 2009-2011), bradando quanto à
necessidade de discutirmos, com seriedade, o atual modelo de remuneração da
magistratura.
Parece-me claro — e só não enxerga quem não quer ver — que o
vigente sistema remuneratório por subsídio não deu certo e contribuiu para o
surgimento de algumas práticas de ética muito discutíveis, as quais, ao fim e
ao cabo, servem apenas aos interessados em desqualificar a magistratura brasileira
frente à opinião publica e provocam distorções em prejuízo da hierarquia
salarial.
Com efeito, sendo o subsídio parcela única, a falta de
atualização de valor para manter o seu poder aquisitivo irredutível, diante da
corrosão inflacionária por anos seguidos, terminou conduzindo ao equivocado
caminho da adição de vantagens, permanentes ou transitórias, algumas das quais
concebidas como parcelas indenizatórias, provocando situações verdadeiramente
absurdas como, por exemplo, um juiz em início de carreira receber estipêndio
maior do que um desembargador ou um desembargador do que um ministro de
tribunal superior e, até mesmo, do Supremo Tribunal Federal.
É certo que, para isso, também concorreu o escalonamento
curto dos níveis das carreiras da magistratura, sobretudo no âmbito federal, e
o fato do artigo 93, V, da Constituição haver determinado que a diferença de
remuneração entre esses níveis não seria superior a 10% e nem inferior a 5%,
levando a que este último percentual terminasse sendo a regra.
Ninguém sensato dirá que a inexistência de hierarquia
salarial é algo correto e salutar em qualquer carreira. Cogitar-se, por
exemplo, que um capitão possa perceber mais do que um coronel ou este mais do
que um general é algo absurdo.
Certamente a esmagadora maioria dos magistrados não sustenta
a manutenção dessa realidade e não se opõe a retirada desses penduricalhos que,
embora originariamente criados para suprir a falta de reposição correta e anual
do valor do subsídio, terminou gerando situações deploráveis, para dizer o
menos. Contudo, uma solução para a complexidade decorrente da organização da
magistratura em carreira, não será alcançada de forma correta com o emprego da
simples técnica do cutlass.
É preciso, antes do mais, enfrentar a realidade de que
nenhuma carreira bem organizada e hierarquizada de forma consistente no serviço
público pode ser mantida sem um escalonamento remuneratório adequado, o que
pressupõe estrita consideração de dois vetores: o da experiência, decorrente
dos anos de exercício, vale dizer, a antiguidade na carreira; e o do mérito,
aferido pelo nível de eficiência e qualidade no desempenho do cargo.
De outra banda, é essencial estudar em profundidade o valor
proporcional e razoável para remunerar servidores públicos que exercem
profissões de estado de fundamental importância para a manutenção do Estado
Democrático de Direito, à garantia da vida republicana e à paz social, cuja
atividade exercida interfere em grau elevado na liberdade, na honra e na
propriedade das pessoas, bem ainda, e por isso mesmo, encontram-se sujeitas a
impedimentos e restrições que ultrapassam a normatividade legal, chegando até mesmo
ao ambiente das regras etiquetais.
Mas não só isso! É imprescindível romper com o lugar comum
que se transformou a ideia de que a magistratura e o ministério público são
espécies de profissões jurídicas, cuja remuneração deve ser paradigmática para todas
as demais profissões que pressupõem a obtenção da graduação em Direito.
De fato, igualar remuneração entre carreiras diferentes,
vinculando-as com o objetivo de reajuste, além de ofender o disposto no artigo
37, XIII, da Constituição da República, que veda a vinculação ou equiparação de
quaisquer espécies remuneratórias para efeito de remuneração de pessoal no
serviço público, termina criando não apenas igualdade entre diferentes, o que é
tecnicamente possível, mas identidades e mesmices artificiais.
Desarmar os espíritos para discutir em profundidade e sem
paixões um assunto tão complexo quanto importante, implica em que todos afastem
os preconceitos, deixem de lado opiniões fundadas em pré-compreensões e
verticalizem o seu estudo. Não serão fórmulas mágicas, construídas sem uma
séria compreensão da realidade, que irão nos levar a lugar diverso do que já
alcançamos com a generalização do sistema de subsídio.
Os juízes, e posso dizer certamente os membros do Ministério
Público, na sua esmagadora maioria, não querem ser os príncipes da República.
Não defendem privilégios e nem supersalários. Querem perceber a justa e
adequada recompensa salarial pelos serviços que prestam à nação, não raro sem
condições condignas de trabalho, o que também ocorre com outros servidores
públicos.
Todos os trabalhadores, no setor público e no setor privado,
têm o lídimo direito de, com respeito às regras do jogo democrático,
reivindicar o que entendem devido pelos serviços que prestam. E, embora seja
certo que, quanto aos servidores públicos, a sociedade, por sustentar o ônus de
suas remunerações, tenha igual direito de debater, criticar e estabelecer,
através dos seus representantes no Parlamento, o valor que deve pagar pelos
serviços que lhes são prestados, não pode permitir que se tire proveito da
ocasião para, por interesses contrariados e nem sempre confessáveis, tentar
desqualificar uma maioria de magistrados e membros do Ministério Público que
trabalham seriamente e sem receber supersalários, cumprindo, com denodado esforço,
a difícil tarefa de distribuir Justiça.
Os erros e mesmo abusos decorrentes do atual sistema
remuneratório podem e devem ser corrigidos sem generalizações escandalizadoras
com o nítido sentido de desprestigiar, pois isso não é republicano e desserve o
Estado Democrático de Direito.
Milton Augusto de Brito Nobre é desembargador,
ex-presidente do Tribunal de Justiça do Pará (2005/07), professor Emérito da
Universidade da Amazônia e associado I da UFPA, integrante do Conselho Nacional
de Justiça no biênio 2009/2011.