BSPF - 22/12/2016
O direito adquirido
A proteção ao direito adquirido é uma grande conquista da
civilização, mas no Brasil ela tem servido a outros fins. Corporações do
serviço público conseguem vantagens mediante jeitinhos, pressões sindicais e
leniência do Judiciário e da classe política. São direitos adquiridos injustos
e pagos pelos contribuintes, inclusive os mais pobres.
O direito adquirido tem origem na Grécia e na Roma antigas.
Foi lá que nasceu a garantia de direitos políticos aos cidadãos. Desde então,
consolidou-se a percepção de que o indivíduo deve estar imune ao arbítrio do
Estado e à tirania dos poderosos.
O conceito foi reforçado a partir do século XVIII com o
Iluminismo, quando surgiu a organização social baseada nos direitos naturais do
ser humano, como a presunção de inocência. No século XIX, começou a luta por
direitos civis. Foram criados, entre outros, o direito universal de voto, o
direito ao julgamento justo e o direito à educação pública fundamental. Com
avanços e recuos, o direito adquirido tornou-se norma nas democracias. À
diferença das liberdades civis, livres da ação opressiva, os direitos civis
derivam de leis que garantem a cidadania e objetivam assegurar igual tratamento
para todos, em especial grupos discriminados por suas características.
No Brasil, “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato
jurídico perfeito e a coisa julgada” (Constituição, art. 5º, inciso XXXVI). Na
opinião de respeitados doutrinadores, o direito adquirido deve ser consequência
de “um fato idôneo a produzi-lo”, conforme o jurista italiano Carlo Francesco
Gabba (1865-1920). Sem tal condição, esse direito não pode integrar o
patrimônio de quem o adquiriu.
Privilégios no serviço público
A aquisição inidônea de direitos por servidores públicos é
prática comum no Brasil. Há também exorbitâncias previstas em lei, como os
salários iniciais de servidores públicos federais concursados, de cerca de
30.000 reais por mês. No setor privado, um iniciante jamais ganhará tanto. Os
funcionários públicos recebem em média mais do que o dobro do valor pago pelo
setor privado. E gozam de estabilidade no emprego.
Até recentemente, vantagens brotavam de greves com garantia
de pagamento dos dias parados. Isso decorria do despreparo dos negociadores do
governo ou de decisões de juízes. As greves viravam férias adicionais.
Providencialmente, o STF extinguiu a imoralidade
Supersalários
A situação é pior nos estados. O recente exemplo do Rio de
Janeiro é o efeito mais evidente da força dos sindicatos e do desleixo dos
governantes. Lá, os gastos com ativos e inativos aumentaram sistematicamente
muito acima da inflação. Mais de 98% dos juízes e procuradores recebem acima do
teto constitucional (33.763 reais). E sabe o que a Bahia tem? Ali, uma
atendente de recepção da Justiça, com salário-base de 5.052 reais,
aparentemente excessivo para o cargo, aposentou-se com 27.891 reais. Em muitos
estados, remunerações pelo exercício temporário de funções de confiança se
incorporam aos vencimentos e tornam-se direitos adquiridos.
Desembargadores e juízes aposentados ganham mais de 100.000
reais por mês, acima do teto. Aposentadorias superiores a 50 000 reais são
corriqueiras na União e em unidades da federação. O déficit anual das
previdências estaduais passa de 75 bilhões de reais. O déficit atuarial, isto
é, a dívida futura com os inativos, é de 4,7 trilhões de reais. Onde vamos
parar?
Nenhuma dessas e de outras escandalosas vantagens que
privilegiam marajás é justificável. Nos casos da inatividade, não decorrem de
contribuições previdenciárias, como costuma acontecer em regimes sustentáveis
de aposentadorias e pensões. Foram instituídas por pressões corporativas e
falta de coragem para enfrentá-las. Não nasceram de forma idônea. Por isso, não
devem ser preservadas, menos ainda diante da crise. É preciso enfrentar esse
câncer com a aprovação de medidas legislativas para desbastar os excessos de
supersalários e superaposentadorias. Além do mais, é imprescindível estabelecer
restrições institucionais para prevenir a concessão de benefícios indevidos ao
funcionalismo. Sem isso, dificilmente teremos futuro.
Por Mailson Ferreira da Nóbrega
Fonte: Instituto Millenium (Revista Veja)