BSPF - 10/12/2016
Brasília - Para João Ricardo dos Santos Costa, presidente da
Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), reduzir os salários do Judiciário
não corta gastos. "Isso ocupa menos do que 1% do orçamento", diz.
"[A questão remuneratória] tem sido usada para nos fragilizar, para jogar
a sociedade contra nós." Leia a seguir a entrevista.
Valor: Como a PEC dos gastos pode afetar o Judiciário?
João Ricardo dos Santos Costa: A discussão sobre orçamento
público é direcionada para afetar os serviços sociais do Estado e ignora o
problema maior do orçamento - a dívida. Uma dívida pública sem transparência,
não há debate sobre seu custo, sobre a fixação de juros absurdos. Vivemos uma
crise como esta com 15 milhões de desempregados e vamos ter sistema financeiro
com lucro recorde. Esse é um fenômeno dos governos fracos, sem legitimidade,
que não têm condições de mexer onde tem que mexer. Tirar [orçamento] do
Judiciário não tira dos juízes, mas da sociedade. Em uma crise, o Judiciário é
extremamente utilizado, os direitos são mitigados, o cidadão recorre ao
Judiciário e, quando chegar lá, o Judiciário estará desaparelhado, sem
recursos. A remuneração da magistratura não afeta o orçamento da União. Reduzir
os salários do Judiciário não corta gastos. Isso ocupa menos do que 1% do
orçamento.
Valor: O senhor avalia que a crise e a contenção de gastos
pode aumentar a lentidão do Judiciário?
Costa: Se manter a forma como está, já vai aumentar, porque
o número de processos vem aumentando. Você não resolve o problema de caixa
somente com austeridade. Em lugar nenhum do mundo isso deu certo. Tem que
estimular a economia, estimular o comércio. Esse modelo de austeridade não deu
certo em lugar nenhum, quebrou vários países.
Valor: A remuneração dos juízes, especialmente nos casos em
que o salário ultrapassa o máximo permitido pelo teto constitucional, tem sido
bastante discutida em momentos de crise fiscal.
Costa: O conceito de teto tem sido desvirtuado nesse
discurso político. São verbas indenizatórias e há permissão legal para que se
receba essas verbas fora do teto. O problema da magistratura deveria ser
regulado. Nós propomos a recomposição anual, isso não é feito, muitas vezes o
Supremo Tribunal Federal abre mão. Nós temos direito à recomposição salarial
anual. Isso [a discussão sobre salários maiores que o teto constitucional]
serve apenas para dar essa pauta negativa. Nós defendemos a incorporação do
auxíliomoradia pelo adicional do tempo de serviço. Porque é impraticável alguém
entrar numa carreira e sair ganhando a mesma coisa anos depois.
Valor: Alguns estudos
apontam o Judiciário brasileiro como um dos mais caros do mundo.
Costa: Depende de quais custos se considera na hora de fazer
essa conta. O Brasil acumula 105 milhões de ações no Judiciário e é um dos
países com mais advogados no mundo. Defendemos medidas para reduzir esse custo,
por exemplo, a redução de processos através do litígio coletivo, que está
parado no Congresso Nacional. Isso resolveria milhões de processos. Temos que
instrumentalizar o processo coletivo para que uma sentença só determine o
pagamento para todos os afetados. Se, por exemplo, a Telefônica faz uma
cobrança abusiva, não deveria ser necessário que cada um dos seus clientes
entre com um processo na Justiça.
Valor: Apesar da
crise, a AMB vai reivindicar aumento de salários para os magistrados?
Costa: Estamos tentando salvar o Judiciário, a questão
remuneratória é secundária, tem sido usada para nos fragilizar, para jogar a
sociedade contra nós, para passar essa ofensiva de parte do Congresso contra o
pacote anticorrupção, que ataca a autonomia do Judiciário.
Valor: Em 2012, a então presidente Dilma Rousseff criou um
fundo de previdência complementar para os servidores civis da União. Para
ganhar acima do teto do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), será
necessário contribuir mais. Por que o Judiciário nunca colocou seu fundo em
prática?
Costa: O Judiciário
depende de repasses para criar os fundos, mas a União não tem feito esses
repasses. A questão da reforma da Previdência se torna prioridade quando o que
deveria ser prioridade seria a auditoria na dívida - quais os critérios para
fixação de juros, sua relação do sistema financeiro e os interesses da
sociedade brasileira.
Valor: O senhor avalia que uma reforma da Previdência não é
necessária?
Costa: Temos que pensar numa reforma que garanta os direitos
das pessoas que trabalharam a vida inteira, dar uma aposentadoria digna. Não é
razoável que se crie uma nova Previdência em que o ser humano só consiga se
aposentar quando chegar à indigência.
Fonte: Valor Econômico (Carolina Oms)