BSPF - 19/03/2017
Além de excluir os militares, a reforma da Previdência
favorece os políticos. Parlamentares ainda querem ampliar os próprios
benefícios e isentar juízes e membros do Ministério Público das novas regras
O governo insiste em dizer que a reforma da Previdência é
igual para todos. Mas, na prática, a situação não é bem assim. Algumas
categorias profissionais tiveram tratamento especial desde o início, como os
militares, que sequer entraram na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº
287, o que abriu espaço para que as demais atividades de risco também
procurassem ser excluídas, já que, atualmente, têm regras diferentes das
aplicadas à maioria dos trabalhadores. Outro grupo que tem regras diferenciadas
na reforma da Previdência é o dos próprios políticos, a maioria deles
defensores da reforma. E integrantes do Judiciário também podem ficar de fora,
se for aprovada uma emenda apresentada ao texto que tramita na Câmara.
Na prática, as mudanças não valem para os políticos até que
eles façam a própria regra de transição, por meio de lei, depois que a reforma
for aprovada. “A PEC diz que, a partir de agora, vale a mesma normas dos demais
trabalhadores do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), mas cada ente
precisa regulamentar a transição. Então, até que isso seja feito, a reforma não
tem como ser colocada em prática para os políticos”, explica o especialista em
Previdência Rogério Nagamine, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Mesmo que a regra de transição seja estabelecida
rapidamente, a proposta do governo é que a futura legislação só valha para
políticos que ingressarem no cargo a partir da promulgação da reforma, ou seja,
os atuais senadores e deputados não entram na reforma da Previdência e seguem
intocados, independentemente de idade ou tempo de contribuição. “Tem uma
inconsistência no discurso político”, avalia um consultor legislativo do
Senado. “Os deputados pregam que a reforma é ótima, mas eles mesmos não querem entrar
nela.”
Paridade
Os parlamentares, no entanto, não estão satisfeitos com o
tratamento especial. O objetivo de uma das 164 emendas protocoladas, até ontem,
na comissão especial que trata do tema na Câmara dos Deputados é favorecê-los
ainda mais. De autoria do deputado Carlos Eduardo Cadoca (PDT-PE), a emenda
sugere uma regra de transição: deputados e senadores que tiverem 54 anos ou
mais de idade ou pelo menos quatro anos de mandato como deputado federal ou
oito como senador não entrariam na reforma. De acordo com a emenda, mesmo que
não cumpram nenhum desses requisitos, eles podem se aposentar com as regras
atuais, desde que paguem um pedágio de 50% sobre o tempo que falta para a
aposentadoria.
A emenda ainda prevê a paridade de remuneração entre
aposentados e pensionistas da seguridade parlamentar e membros ativos do
Congresso Nacional, ou seja, as aposentadorias dos ex-políticos seriam
reajustadas da mesma forma que os salários dos que estão em atividade. O fato
de não haver a paridade atualmente é considerado, pelo autor da emenda, uma
“injustiça histórica”. A injustiça, na opinião da advogada especialista em
Previdência Adriane Bramante, do Instituto Brasileiro de Direito Público (IBPD)
é estipular a paridade para os políticos, enquanto nenhum outro servidor
público ou trabalhador submetido às regras atuais tem o mesmo privilégio.
Judiciário pode ficar de fora
Emenda do deputado Lincoln Portela (PRB-MG) pode tornar a
reforma da Previdência ainda mais desigual. O parlamentar quer excluir os
juízes e os membros do Ministério Público da PEC, da mesma maneira que foi
feito com os militares. A justificativa é que inseri-los seria
inconstitucional. A atual reforma, segundo ele, “maltrata mais uma vez, a
condição de vitaliciedade e irredutibilidade de vencimentos que deveria
proteger as magistraturas contrapoderes políticos contrastados pelas ações dos
juízes e tribunais”. A justificação da emenda considera, ainda, que “a
inconstitucionalidade de se integrar Magistratura e Ministério Público a esse
regime geral é evidente”.
As propostas que excluem categorias são vistas como injustas
pela advogada do IBDP. “A ideia do governo sempre foi convergir os regimes.
Então, todo mundo teria que fazer sacrifícios para que entre dinheiro no caixa.
O certo seria, então, ou colocar todo mundo ou tirar todo mundo, com as mesmas
regras. Por que o povo tem que pagar sozinho?”, questiona Adriane.
Para o advogado André Bittencourt, vice-presidente executivo
da Sociedade Brasileira de Previdência Social (SBPS), que também defende regras
iguais para todas as categorias, o governo abriu um precedente ao excluir os
militares. “A partir do momento em que o discurso de reforma igualitária não é
real, cada grupo começa a trazer as próprias emendas para se defender. Isso
explica o volume enorme de emendas”, sentenciou.
No caso dos políticos, a proposta do deputado Eduardo Cadoca
(PDT-PE) tem regras de transição muito mais generosas que as previstas para os
demais trabalhadores. De acordo com o texto da PEC, todos os brasileiros abaixo
de 50 anos, se homens, e 45, se mulheres,serão obrigados a se submeter às novas
normas imediatamente, sem opção de pagar pedágio para ficar na regra antiga.
Até os mais velhos, que ainda não tenham completado os requisitos atuais para
aposentadoria, pagam pedágio apenas para o acesso, mas entram na nova
legislação. Já para os políticos, a transição, independentemente de qual for,só
valerá para quem passar a exercer função política após a promulgação da
reforma.
“Se fosse para ser justo, apenas os trabalhadores que
ingressassem no mercado de trabalho depois da reforma deveriam ser incluídos
nas novas regras, como o que é proposto para os políticos”, observou Adriane. O
lema da reforma, na opinião dela, é “faça o que eu falo, mas não o que eu
faço”. Cabe ao deputado Arthur Maia (PPS-BA), relator da proposta, inserir ou
não as emendas no parecer final que deve ser enviado em abril ao plenário da
Câmara para votação.
Por Alessandra Azevedo
Fonte: Blog do Servidor