Correio Braziliense
- 03/03/2017
Para especialistas ouvidos pelo Correio, se proposta apoiada
pelo governo for aprovada como está, concursos públicos correm o risco de
acabar. Eles também questionam constitucionalidade da medida
O governo federal espera que, em breve, a Câmara dos
Deputados vote o Projeto de Lei 4.302/1998, que permite a ampliação do trabalho
terceirizado no Brasil. Como o texto regulamenta a contratação de mão de obra
terceirizada sem restrições, incluindo na administração pública, uma das
principais dúvidas é como a proposta, caso seja aprovada como está agora,
afetará os concursos.
Para o advogado Max Kolbe, membro da Comissão de
Fiscalização de Concursos Públicos da OAB/DF, o projeto de lei não só afeta as
futuras seleções, como pode representar o fim dos concursos públicos no país.
Para Kolbe, o PL pode ser considerado "uma nefasta
aberração jurídica", no que diz respeito à acessibilidade ao cargo ou
emprego público. "Sob a ótica da atual Constituição Federal, seria
absolutamente incabível", avalia o especialista.
Compartilha de opinião semelhante o professor de direito
constitucional Aragonê Fernandes. Para o também juiz de direito substituto do
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), o projeto vai
prejudicar os concursos públicos.
Para Fernandes, no entanto, o texto deve encontrar
resistências. "Acho difícil a proposta passar nos moldes em que está.
Certamente o projeto foi retirado da gaveta apenas para forçar uma
discussão", considera.
Weslei Machado Alves, professor do curso de direito da
Universidade Católica de Brasília, também acredita que o texto ameaça os
concursos. "A extensão da terceirização, inclusive à atividade fim da
administração pública, poderá afetar os concursos públicos e, por consequência,
ter-se-á a criação de um emprecilho à isonomia constitnucional nas contrações
pelo poder público. Isso porque ao necessitar de contratação de mão-de-obra, o
gestor público poderá optar pela terceirização, forma mais simples e
desprotegida de admissão de pessoal."
Já para o professor de direito trabalhista do UniCEUB, Luis
Fernando Cordeiro, o projeto não vai comprometer os concursos. "Os
princípios e regras constitucionais do artigo 37, "caput" e incisos I
e II, de necessidade (obrigatoriedade) de concursos públicos para trabalhar
para a administração pública (direta e indireta) permanecerão."
Para Cordeiro, a possibilidade de terceirização no setor
público continuará como exceção. "Na verdade esse projeto iria beneficiar
os órgãos públicos quando contratarem serviços terceirizados, pois estariam
isentos de responsabilidade patrimonial como hoje reza a Súmula 331 do
TST."
Como é a lei hoje
Atualmente, a legislação prevê que a terceirização pode ser
adotada em serviços que se enquadrarem como atividade-meio, ou seja, trabalhos
que não estão diretamente ligados ao objetivo principal da empresa. É o caso do
serviço de alimentação e limpeza em uma indústria que fabrica carros.
A partir disso, o Tribunal Superior do Trabalho (TST)
entende, por exemplo, que uma empresa fabricante de móveis não pode contratar
marceneiros terceirizados, pois esses profissionais realizam a tarefa que seria
a atividade-fim dessa companhia.
O texto de 1998 que o governo deseja ver aprovado causa
polêmica justamente porque prevê a terceirização de atividade-fim, incluindo no
setor público.
Retrocesso social
Segundo Kolbe, a aprovação seria também um retrocesso
social. "Em se tratando de concurso público, só seria legítima a
terceirização na atividade-meio, ou seja, jamais para exercer as mesmas
atribuições dos aprovados no concurso público. Esse é entendimento de todos os
tribunais superiores (STF, STJ e TST). Essa é, inclusive, a razão de centenas
de candidatos ganharem na Justiça o direito a serem contratados."
Para o especialista, não há dúvida de que, se aprovado, o
projeto de lei será inconstitucional, por ofender o artigo 37, II, da
Constituição. "É inimaginável, após a redemocratização do Estado
brasileiro, que exista um governo que proponha algo com esse viés. Seria o
mesmo que legalizar, para alguns, o 'saudoso trem da alegria'."
Alves, da UCB, tem preocupação semelhante. Para ele, a
medida poderá facilitar apadrinhamentos na escolha dos terceirzados. O
professor acrescenta: "Ao necessitar de contratação de mão de obra, o
gestor público poderá optar pela terceirização, forma mais simples e desprotegida
de admissão de pessoal".
Kolbe argumenta ainda que, sob a ótica do concurso público,
esse projeto de lei só possui pontos negativos. "Não é apenas a máquina
administrativa (órgãos e entidades) que perde com a precarização dos serviços,
mas a sociedade no geral, pois o princípio da eficiência e isonomia estaria
sendo assassinado com a aprovação desse projeto de lei."
Mudança nas regras trabalhistas
Na opinião dos integrantes do governo, a votação dará início
à agenda de retomada do crescimento econômico em 2017 e é uma das frentes em
movimento com o apoio do governo para mudar as regras trabalhistas. Além de
permitir a terceirização de qualquer atividade, em qualquer setor da economia,
o texto autoriza as empresas terceirizadas a subcontratarem outras
terceirizadas.
(Mariana Fernandes)