Hoje em dia - 02/04/2017
O físico e professor da Universidade de Campinas (Unicamp)
Leandro Tessler, de 55 anos, fazia as contas: caso o texto da reforma da
Previdência seja aprovado como foi proposto pelo governo ao Congresso, teria de
trabalhar por mais três anos até se aposentar. Isso, até o anúncio feito pelo
presidente Michel Temer, no último dia 21 de março, de que servidores estaduais
e municipais estariam excluídos da reforma.
Ele teme que as regras a serem definidas pelos Estados, o
que o governo espera que aconteça nos próximos seis meses, sejam mais rígidas
que as que foram propostas pela União.
"Do jeito que o governo estadual tem nos tratado, tem
tudo para que estipule regras mais rígidas do que as da União, faz parte do
discurso de corte de gastos colocado aos Estados. Estou muito preocupado. As
universidades perderam muitos postos e manter os professores mais antigos era
uma forma de conservar a qualidade. Só que essas mudanças trazem uma
insegurança enorme para quem está mais perto de se aposentar. É
inevitável."
Também com 55 anos, o professor de zoologia da Universidade
de Brasília (UnB) José Roberto Pujol Luz está igualmente preocupado com as
alterações nas regras da Previdência, mas diz estar em vantagem em relação ao
colega paulista: "Ao menos, as regras estão dadas."
"Além da incerteza, o problema é que tende a haver um
prejuízo muito maior, pelo meu ponto de vista, dos colegas que trabalham para
instituições estaduais. A nossa federação é um conjunto muito complicado, os
Estados têm realidades muito diferentes e o profissional de ensino reflete essa
desigualdade."
Desigual
Para especialistas, é um erro pensar em regras locais para a
aposentadoria, ao se considerar que a reforma havia sido proposta para repartir
o buraco nas contas da Previdência igualmente entre os trabalhadores.
Em um primeiro momento, a exclusão dos servidores estaduais
foi vista como concessão do governo em relação a mudanças na reforma.
Integrantes da equipe econômica vêm defendendo a aprovação do projeto no
Congresso sem alterações. A medida, no entanto pegou os governadores de
surpresa e foi considerada uma forma de dividir o ônus político da reforma.
"É mais do que um conjunto de informações mal
explicadas. Incentivar que municípios, Estados e União tenham regras diferentes
para seus servidores pode criar uma guerra previdenciária, como a guerra
fiscal", avalia a presidente do Instituto Brasileiro de Direito
Previdenciário (IBDP), Jane Berwanger.
Na prática, a separação das regras previdenciárias de
servidores estaduais e municipais dos federais tende a gerar distorções
profundas em carreiras que são iguais.
"E, quando tiver de calcular o período de trabalho em
diferentes locais, o servidor não sabe que regra será seguida. O governo passou
cerca de oito meses ensaiando e noticiando a reforma, mas não abriu para
discussão de questões técnicas. Quando levou o texto para o Congresso, parecia
que tinha de aprovar aquilo muito rápido. Agora, a gente vê o próprio governo
tendo de voltar atrás em muitas questões. Nesse caso, da separação dos
servidores, não estranharia se daqui a pouco tivesse o recuo do recuo",
diz Jane.
Ela também prevê uma onda de judicialização, com as
distorções. "E nem há a certeza de que os Estados que mais estão
preocupados em cortar terão regras mais rígidas. Depende da força do
governante. Em alguns casos, os contribuintes do regime federal dirão que o
servidor estadual tem estabilidade e vai trabalhar menos, pode tirar parte da
legitimidade da reforma."
"A reforma, desde o começo, foi apresentada de maneira
equivocada à população. O governo quer passar medidas duras e que não foram
devidamente discutidas com a sociedade. Isso não pode ser bom para a
democracia", avalia Sonia Fleury, especialista em administração pública da
Fundação Getúlio Vargas (FGV). As informações são do jornal O Estado de S.
Paulo.