BSPF - 21/04/2017
O artigo 6º, inciso XIV, da Lei 7.713/1988 isentou do
pagamento do Imposto de Renda “os proventos de aposentadoria ou reforma
motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia
profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla,
neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e
incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose
anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença
de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da
imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada,
mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma”.
Como tudo o que depende de interpretação, instaurou-se uma
controvérsia em torno do conectivo “e”. Essa conjunção transferia para os
portadores das moléstias especificadas na lei a condição de também serem eles
aposentados para gozar do benefício fiscal, ou a isenção foi concedida para os
aposentados e também para os portadores de doenças, estivessem eles em
atividade ou não?
A disputa tem sido decidida em favor da isenção aos
trabalhadores em atividade portadores das doenças especificadas na Lei 7.713/88
porque, além de a interpretação gramatical, corretamente feita, estabelecer
dois grupos de beneficiários da isenção, há outros princípios e normas que
incluem o trabalhador contribuinte ativo em uma situação de destinatário desse
favor fiscal.
A isenção teria, nesse contexto, a finalidade de assegurar
maior capacidade financeira ao trabalhador doente, garantindo-lhe o mínimo
essencial para suportar os custos do tratamento permanente ou enquanto perdurar
a enfermidade, situação em que se enquadram aposentados e, igualmente, os trabalhadores
em atividade.
Essa é a adequada interpretação que se deve conferir ao
artigo 6º, XIV, da Lei 7.713/88, em conformidade com as garantias fundamentais
de respeito à saúde (artigos 196 e 170, caput, da CF/88), e da dignidade da
pessoa humana (artigo 1º, III, da CF/88), que se sobrepõem a qualquer regra de
interpretação.
O princípio da isonomia deve ser destacadamente aplicado nos
chamados hard cases, de acordo com a teoria de Dworkin: “Um juiz que aceitar a
integridade pensará que o direito que esta define estabelece os direitos
genuínos que os litigantes têm a uma decisão dele. Eles têm o direito, em
princípio, de ter seus atos e assuntos julgados de acordo com a melhor
concepção daquilo que as normas jurídicas da comunidade exigiam ou permitiam na
época em que se deram os fatos, e a integridade exige que essas normas sejam
consideradas coerentes, como se o Estado tivesse uma única voz”. (Dworkin,
Ronald. O império do Direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins
fontes, 1999. P. 263).
A jurisprudência, cuidadosa com o tema, tem admitido a
isenção tributária, sob o manto da dignidade humana de acordo com o direito à
saúde, pela constatação de que a moléstia grave reduz drasticamente a
capacidade contributiva.
Em inúmeros casos nas perícias médicas oficiais não é
reconhecido o direito à aposentadoria, e esse fato agrava o estado de saúde do
servidor em atividade e enfermo.
Há de se admitir, por blindagem isonômica que ambos —
servidor em atividade e servidor aposentado — carecem receber o mesmo
tratamento por suportarem a amargura comum de patologias igualmente severas,
onde o sacrifício é o mesmo.
Se um servidor aposentado e enfermo tem direito à isenção
exatamente para suprir parte do prejuízo decorrente da doença, o que dirá o
servidor em atividade, como o caso dos portadores de neoplasia maligna, que
amargam a mesma enfermidade, somado ao emaranhado de sintomas e efeitos
colaterais devastadores causados pela medicação e pela quimioterapia, dentre
eles, crises de náuseas, quedas de cabelo, causa diminuição da imunidade e
predisposição a infecções, baixa autoestima, indisposição física, mental e
intelectual, e que mesmo assim, necessitam continuar trabalhando todos os dias.
Afora isso, por seu efeito devastador, a doença gera no
servidor em atividade a dificuldade de se manter no trabalho, e pelas
reiteradas ausências e licenças médicas, chega-se à trágica perda do emprego ou
da função pública que exerce.
A isenção adota, como elemento justificador, a patologia,
com amparo na redução ou perda da capacidade contributiva, direito em que, na
visão de Carnelutti, por ser tão óbvio, não deveria ser discutido em juízo:
"Os romanos denominavam a atividade do advogado no processo com o verbo
“postular”. Dizem os léxicos que esse verbo significa pedir aquilo que se tem
direito de ter. E isso é o que agrava o peso de pedir. Não se deveria ter
necessidade de pedir aquilo que se tem direito de ter. (Carnelutti, Francesco.
As Misérias do Processo Penal. Ed. Leme CL EDIJUR, 2013. P. 28).
A literalidade do inciso IV do artigo 6º da Lei 7.713/88
afirma claramente que, dentre os rendimentos percebidos por pessoas físicas,
são isentos os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em
serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose
ativa, alienação mental, neoplasia maligna, e demais doenças especificadas em
lei.
Não se trata de interpretação extensiva da norma de isenção
de imposto de renda, mas sim de uma interpretação sistemática e de acordo com a
finalidade social da lei, que é a de aumentar, com a isenção, a capacidade
financeira do trabalhador para amainar os sofrimentos decorrentes das doenças
de que é vítima. Essa finalidade social é pressuposto de interpretação de toda
e qualquer norma, conforme determinação prevista na Lei de Introdução de Normas
do Direito Brasileiro: Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a
que ela se dirige e às exigências do bem comum.
A visão moderna atribuída pelo magistrado, acobertada pelo
princípio da dignidade da pessoa humana, consolidado mediante a prevalência do
outro princípio constitucional entrelaçado, a isonomia, ambos, com caráter de
direitos fundamentais, autorizam o Poder Judiciário conceder a isenção
tributária a todos os trabalhadores portadores de patologias incapacitantes,
ainda que estejam em atividade.
Katiuscia Alvim é advogada da Associação Nacional dos
Servidores da Justiça do Trabalho (Anajustra) e do Sindicato dos Trabalhadores
do Poder Judiciário e do Ministério Público da União no Distrito Federal
(Sindjus/DF). Membro do Ibaneis Advocacia e Consultoria.
Luísa Hoff Pignatti é advogada da Associação Nacional dos
Servidores da Justiça do Trabalho (Anajustra) e do Sindicato dos Trabalhadores
do Poder Judiciário e do Ministério Público da União no Distrito Federal
(Sindjus/DF). Membro do Ibaneis Advocacia e Consultoria.
Fonte: Consultor Jurídico