BSPF - 02/04/2017
Tornar as empresas terceirizadas mais qualificadas com a
nova legislação, sancionada nessa sexta-feira (31) pelo presidente Michel
Temer, é uma das apostas de especialistas ao analisar o tema. Para os críticos
da lei, no entanto, direitos trabalhistas ficarão prejudicados.
Após a sanção do texto, empresários da área não esperam uma
migração “em massa” das contratações diretas para a prestação de serviços a
terceiros, e sim uma formalização nos setores que já contratam dessa forma. A
falta de detalhamento da legislação, porém, pode dar margem a ações na Justiça,
contrariando a tese de que traria mais segurança jurídica às empresas.
Em 2014, havia 12,5 milhões de vínculos ativos nas áreas
tipicamente terceirizadas e 35,6 milhões de trabalhadores eram contratados
diretamente, número que tende a se inverter, de acordo com os contrários ao
texto. Já os representantes da indústria e do comércio creditam à necessidade
de contratação, à modernização do Estado e à maior produtividade os benefícios
da nova lei.
Relator do projeto, o deputado Laércio Oliveira (SD-SE)
acredita que os trabalhadores ficarão mais protegidos porque as empresas
contratantes serão responsáveis “subsidiárias” pelas obrigações trabalhistas.
“Nenhuma empresa pública nem privada vai terceirizar todas as suas atividades.
Isso não vai ocorrer em hipótese alguma. O mercado vai se autorregular a tal
ponto de não terceirizar tudo”, afirma.
O parlamentar explica que a terceirização não envolve
diretamente as pessoas, e sim a prestação de serviços que podem ser oferecidos
por empresas especializadas. “De repente, o hospital quer terceirizar o serviço
de enfermagem, porque existem empresas no Brasil que só trabalham com isso. A
empresa prestadora disponibiliza para aquele cliente a mão de obra
especializada na área. Essa diferenciação é importante para entender o
projeto”.
As mudanças permitem a contratação de trabalhadores para
exercer cargos em todas as áreas da empresa, inclusive na atividade-fim. Além
disso, a contratação poderá ocorrer de forma irrestrita em empresas privadas e
na administração pública. Atualmente, não existe uma legislação específica
sobre a terceirização, mas decisões judiciais têm permitido a terceirização
apenas para as chamadas atividades-meio, ou seja, funções secundárias que não
estão diretamente ligadas ao objetivo principal da empresa, como serviços de
limpeza, vigilância e manutenção.
Concursos públicos
De acordo com o presidente da Associação Nacional dos
Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Germano Siqueira, as carreiras
de Estado não correm o risco de ser terceirizadas. Ele avalia, no entanto, que
pode haver menos cargos destinados a concursos públicos. “Carreiras de apoio já
são, hoje em dia, terceirizadas. Então, a possibilidade de ampliar a
terceirização nessas funções é muito efetiva. Com isso, há não só o risco de
precarização, mas a possibilidade de haver clientelismo político, nepotismo.
Ele cita como exemplo, além dos enfermeiros, o próprio corpo
médico de um hospital. “Eu não tenho a menor dúvida de que vai diminuir a
quantidade de cargos destinados a concursos públicos. Nas escolas, isso pode
acontecer com os professores. Uma companhia aérea pode terceirizar todo o seu
corpo de pilotagem, na medida em que não há um limite. Mas, acho que tudo isso
são matérias que os magistrados vão interpretar e examinar, para ver o real
limite da lei”, prevê.
No ensino, a preocupação de especialistas é quanto ao
aumento das chamadas Organizações Sociais, que são contratadas em alguns
estados para cuidar da administração de escolas.
Direitos
Para o subprocurador-geral do Ministério Público do Trabalho
(MPT), Ricardo José Macedo de Britto Pereira, a maior rotatividade dos trabalhadores
pode comprometer a concessão de benefícios básicos, como décimo terceiro
salário e férias. “O problema é que toda vez que você coloca um intermediário
na relação de trabalho, haverá a tentativa de explorar para ter ganho maior. A
empresa que faz intermediação [terceirizada] também quer ganhar. Além disso,
não há nenhuma garantia de que o empregador não dispense o seu empregado direto
e o contrate em seguida em uma empresa prestadora de serviços. A lei não previu
isso. Agora tem esse risco, o que é muito ruim”, observa Pereira.
Segundo ele, outro ponto negativo é a permissão de empresas
com capital social muito baixo. De acordo com a nova lei, empresas com até dez
empregados deverão ter capital mínimo de R$ 10 mil. “São pequenas empresas que
não terão o cuidado necessário com o ambiente do trabalho, e isso só vai
confirmar dados de que a terceirização causa o adoecimento no trabalho, alto
grau de acidentes, violação de vários direitos”, enumera.
Para o representante do MPT, órgão que anteriormente havia
divulgado uma nota técnica solicitando o veto, a lei “não traz direitos”,
apenas uma “liberação geral no campo das relações de trabalho”. Ele acredita
que as “diversas interpretações” da legislação darão espaço a questionamentos
no Poder Judiciário, tanto na Justiça do Trabalho quanto no Supremo Tribunal
Federal (STF). Além do caso analisado esta semana no STF, que tirou a
responsabilidade da administração pública em passivos trabalhistas, outros
recursos relativos à terceirização tramitam na corte.
Divulgado em março, estudo feito pelo Departamento
Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostra que os
trabalhadores terceirizados recebem salários entre 23% e 27% mais baixos, têm
uma jornada maior e ficam durante menos tempo na empresa.
Com base em dados do Ministério do Trabalho e na
Classificação Nacional de Atividades Econômicas, o estudo comparou informações
registradas entre 2007 e 2014. Mostrou também que a rotatividade dos
terceirizados e o afastamento por acidente de trabalho são maiores que entre os
contratados diretamente.
Segurança jurídica
“Acredito que está havendo um pavor desnecessário nessa
questão, porque não é possível você ter uma modalidade de contrato terceirizado
hoje, que vem a ser os serviços especializados, no sentido de trazer alguma
insegurança. Pelo contrário, é para dar segurança de proteção ao trabalhador
que presta serviços para essas empresas terceirizadas”, contrapõe o ministro do
Trabalho, Ronaldo Nogueira. Ele também avalia que a nova legislação não vai
acabar com os concursos públicos, pois atualmente já existem categorias que
atuam em determinados órgãos, como o próprio Judiciário.
Para Vander Morales, presidente da Federação Nacional dos
Sindicatos de Empresas de Recursos Humanos (Fenaserhtt), que reúne 32 mil
empresas e cerca de 2,5 milhões de trabalhadores na área, em todo o Brasil,
muitas empresas exercerão no Brasil algum tipo de terceirização especializada.
"Isso vai ser bom para o mercado, para o próprio trabalhador. Pode
resultar em maiores salários. A rotatividade vai até diminuir, porque hoje há
uma insegurança. Alguns contratos são interrompidos por falta de clareza na
lei. Haverá um compromisso maior do trabalhador com a empresa e elas passarão
por uma qualificação maior. Essa é a mudança imediata”, diz Morales.
“Geralmente, as empresas terceirizadas não cumprem todos os
seus deveres. Terminam o contrato e deixam de pagar verbas rescisórias e
trabalhistas”, afirma o presidente da Anamatra. Na opinião de Germano Siqueira,
a insegurança jurídica deve permanecer porque a lei tem brechas.
Ele não concorda com a ideia de que o país está atrasado ao
aprovar somente agora mudanças que podem ser um ponto de partida para
revolucionar o mundo do trabalho. “Na verdade, atrasados estão aqueles que
querem fazer uma terceirização que corta direitos", avalia Siqueira.
De acordo com o presidente da Fenaserhtt, o número de
empresas terceirizadas pode aumentar, já que surgirão novas tendências. “Muitas
profissões de hoje vão desaparecer. O Brasil tem que mirar no futuro do
trabalho. Como é que isso está acontecendo no mundo, com tantas pessoas
precisando trabalhar? Precisamos desenvolver formas. Não precisamos ficar
amarrados a um único modelo”, analisa.
Sancionada com três vetos pelo presidente Michel Temer, a
nova lei, que trata também do trabalho temporário, foi publicada em edição
extra do Diário Oficial da União de ontem (31).
O presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra,
sinalizou que o STF deve ser chamado a se pronunciar sobre a polêmica.
Fonte: Agência Brasil