O Tempo - 30/04/2017
“Às vezes, os deputados preferem não enfrentar os
servidores.”
Sob a ameaça de novas mudanças desfigurarem o texto da
reforma da Previdência, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, acusa os
servidores públicos de tentarem inviabilizar a reforma e diz que o relator já
está no limite da capacidade de negociação. No seu cálculo, as alterações já
consumiram 40% da economia prevista, quase o dobro estimado pelo Ministério da
Fazenda.
A reforma trabalhista contaminou a da Previdência?
Não. Acho que a reforma trabalhista nos deu uma capacidade
inicial de reorganizar o voto da aprovação das duas reformas.
Mas a trabalhista obteve 296 votos favoráveis, menos do que
os 308 necessários para aprovar a Previdência.
Aí tem de lembrar que tivemos algumas derrotas ao longo dos
últimos 30 dias e os líderes da base conseguiram recuperar pelo menos 60 votos.
Sabemos que não temos esses 296 ainda para a Previdência, mas há uma capacidade
de articulação melhor do que tinha antes.
Quantos votos a base tem hoje?
Não sei, não dá para falar em números. O que tem de fazer
agora é organizar cada um dos partidos. Eu sou daqueles que prefeririam votar
um texto mais duro para o servidor público, mais ou menos na linha do que veio
do governo. Porque o servidor, onde estão os maiores salários, não entende que
a (reforma da) Previdência vai beneficiar a todos.
O relatório endureceu as regras de aposentadoria integral de
servidores. Isso pode cair?
Mas ele (relator) não mudou isso ainda.
Ainda?
Ele não vai mudar. Ele tem o compromisso conosco de não
mudar isso.
A grande influência dos servidores sobre o Congresso não
pesa?
Verdade, é a maior força. Esse é o problema. A gente tem de
ter coragem de falar. É uma derrota, uma irresponsabilidade, um desrespeito com
os brasileiros. São 5%, 10% da população que estão fazendo um lobby enorme na
Casa, tendo vitórias há anos, aumentando seu poder há anos, em detrimento do
gasto com educação, do gasto com saúde, do gasto em segurança pública.
Essa flexibilização não passa?
Se o relator ceder mais, vira uma reforma água com açúcar.
Flexibilizar mais é não ter reforma. A gente precisa ter coragem de enfrentar o
tema, ir pro voto. Nós já perdemos com as negociações 30%, 40% daquilo que
estava projetado no início. Esse é o dado verdadeiro, não adianta se enganar.
Mas a Fazenda diz que a perda foi de 24%.
Eu quero falar a verdade: não é 24% do meu ponto de vista.
Eu não fiz a conta, mas economistas em quem confio dizem que é próximo a 40%. O
falso prejuízo eleitoral no curto prazo com a votação da reforma da Previdência
será muito maior se ela não for aprovada. Certamente a taxa de crescimento, que
pode ser no ano que vem da ordem de 4%...
Chega a 4%?
Tenho convicção que, se a reforma da Previdência for aprovada
com o texto nesse limite de hoje, mesmo com o dano que já foi feito no texto,
temos condições de ter um crescimento muito alto no próximo ano. Agora, toda
nova negociação é para atrasar o processo e inviabilizar a reforma.
O que o servidor público está fazendo?
O servidor público quer inviabilizar a reforma. De uma forma
ou de outra, eles acham que o governo brasileiro não está quebrado, que não
existe déficit da Previdência.
Por que as ruas estão reclamando das reformas?
Quem reclama são os sindicatos, que estão mobilizados. A
sociedade não está reclamando.
A greve geral de sexta-feira pode pressionar os deputados?
Não foi greve geral. Foi uma mobilização de sindicatos. Não
tem nenhum efeito. Se não teve para manter o imposto sindical, que era maioria
simples...
O governo está falhando na comunicação?
Não é que está falhando. Mas ele tem de mostrar o que
aconteceu naqueles Estados brasileiros e naqueles países que foram obrigados a
fazer reformas muito duras, qual é o impacto na vida das pessoas. Em Portugal,
pensões, aposentadorias e salários foram cortados. Nós estamos, talvez pela
última vez, tendo a oportunidade de fazer uma reforma sem cortar salários e
aposentadorias e sem aumentar impostos.
Se as reformas não forem aprovadas, é fim do jogo para o presidente?
Não. Eu ouvi isso de um deputado da oposição que me
assustou: “Olha, se o Michel não aprovar a Previdência, acabou o governo”. Eu
fiquei olhando e perguntei: isso significa que você quer que a população
brasileira pague um preço altíssimo porque você é contra o governo do
presidente? Quando eu era mais jovem, fui um pouco assim, mas mudei minha
posição. Conseguiremos ter a maioria para aprovar. Mas chega uma hora em que
não pode ceder tudo. Se ficar cedendo tudo, acaba desmoralizado.
Qual é a receita para aprovar a Previdência?
Mostrar para o deputado: olha aqui esse servidor público do
Rio que está recebendo cesta básica, aposentado que não tem dinheiro para
comprar remédio... Isso vai acontecer no Brasil. Não representamos essas
corporações que estão aqui tratando apenas dos seus interesses específicos.
Nunca vi uma corporação chegar na Câmara e tratar do interesse coletivo. Aliás,
só uma vez, quando o (Rodrigo) Janot (procurador-geral da República) levou o
texto de abuso de autoridade.
As corporações de servidores dominam a base parlamentar?
Eles não dominam a base parlamentar. Os parlamentares muitas
vezes preferem não enfrentá-los. Agora é hora de salvar o Brasil. A reforma da
Previdência é meio que o coração do que o governo precisa fazer.
O presidente Temer vai ter margem para cobrar quem está
votando contra?
O presidente, antes de assumir, lançou o documento “Ponte
para o futuro”. Quem acompanhou sabia, se o impeachment saísse, qual era a
agenda do governo. Ninguém pode dizer que foi enganado pelo governo da agenda
da reforma previdenciária, da trabalhista, amanhã da reforma tributária.
Então quem aderiu ao governo e não concorda com reformas tem
de entregar esses cargos?
Se eu tenho um ministério e digo “eu discordo da reforma da
Previdência”, acho que tem de sair do governo.
Avaliação recente é de que muitos já estavam abandonando o
barco do governo. O sr. vê isso?
Não é isso. É o seguinte: o deputado está olhando a votação
e fala “tudo bem, estou aqui para ajudar, mas quero saber quais são as
condições para ajudar, para que eu esteja fortalecido na minha base eleitoral”.
Às vezes é o presidente da República ir na cidade da pessoa e visitar o
prefeito dele com ele, tá resolvido. Às vezes é uma obra, não é isso? Às vezes
é o fortalecimento de uma estatal na região dele. Cada deputado chega aqui de
uma forma. Resolver o Funrural é uma tese que fortalece a base do Michel no
agronegócio, que tem uma base de deputados importante. Então é óbvio. Agora vai
se resolver a questão da contribuição previdenciária dos municípios, aquilo que
está tudo atrasado, para parcelar novamente. Com isso, você está atendendo a
uma base de deputados que têm relação com municípios menores.