BSPF - 09/04/2017
A Lei 3.373, de 12 de março de 1958, dispunha sobre o
funcionamento do Plano de Assistência ao Funcionário e sua Família, previsto
nos arts. 161 e 256 do antigo Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União
e dos Territórios (Lei 1.711/52), com o objetivo de assegurar a manutenção
condigna da família do servidor público federal após a sua morte.
É nesse contexto que a referida lei determinava o pagamento
da pensão aos filhos do servidor, em qualquer condição, até que completassem 21
anos de idade ou, se inválidos, enquanto durasse a invalidez. Para as filhas
solteiras, a lei em questão conferiu tratamento especial quanto ao termo final
do pagamento dos proventos.
O artigo 5º da Lei 3.373, em seu parágrafo único,
estabelecia que a filha solteira, maior de 21 anos, só perderia a pensão
temporária quando ocupante de cargo público permanente. Verifica-se que o
recebimento da pensão seria interrompido somente na hipótese de a beneficiária
deixar de ser solteira ou ser titular de cargo público.
Tanto é assim que o Tribunal de Contas da União reconhecia a
regularidade dessas pensões e, inclusive, admitia a continuidade de seu
pagamento àquelas pensionistas que tivessem outras fontes de renda, não
auferidas em decorrência de investidura em cargo público, conforme a Súmula
168:
Para a concessão da pensão prevista na Lei nº 6.782, de
19/05/80, a restrição constante do art. 5º, parágrafo único, da Lei nº 3.373,
de 12/03/58, que estabeleceu o Plano de Previdência e Assistência ao
Funcionário e à sua Família, só abrange a filha solteira, maior de 21 anos e
ocupante de cargo público permanente, na Administração Direta ou Centralizada,
sem embargo do seu direito de opção, a qualquer tempo, pela situação mais
vantajosa.
Esse entendimento foi amplamente utilizado pelo TCU para
analisar os benefícios concedidos às filhas solteiras de servidores públicos –
falecidos até 19 de abril de 1991 (data de publicação da Lei 8.112/90) – e, no
exercício da função de controle externo, garantir a aplicação estrita das
disposições do art. 5º, parágrafo único, da Lei 3.373/58.
Ocorre que, em 16 de julho de 2014, o TCU extrapolou os
limites da referida lei ao aprovar o Enunciado da Súmula 285[1], que revogou a
Súmula 168 e estabeleceu como fator impeditivo para o recebimento da pensão em
foco o exercício de qualquer atividade remunerada, seja na esfera pública, seja
na esfera privada, o que claramente exorbita a finalidade da norma.
Com base no Enunciado da Súmula 285, em 1º de novembro de
2016, o TCU prolatou o Acórdão 2.780/2016, por meio do qual declarou a
impossibilidade do recebimento do benefício de pensão pelas pensionistas que
contarem com “recebimento de renda própria, advinda de relação de emprego, na
iniciativa privada, de atividade empresarial, na condição de sócias ou representantes
de pessoas jurídicas ou de benefício do INSS”.
Dessa forma, foi determinada a revisão de mais de 7 mil
benefícios previdenciários concedidos entre 1958 e 1991, os quais poderão ser
cancelados na hipótese de recebimento de qualquer outra fonte de renda. O novo
entendimento do Tribunal de Contas da União desrespeita a Lei 3.373/58, art.
5º, parágrafo único, pelo que cria restrições não previstas no diploma legal e,
consequentemente, mitiga direito garantido há, pelo menos, 26 anos.
Essa situação viola cabalmente o princípio da legalidade,
previsto no art. 37, caput, da Constituição da República, como norte da atuação
estatal, em sua dimensão estrita. Na prática, o indigitado princípio vincula a
atuação estatal à lei, de forma que apenas pode agir quando legalmente
autorizado e nos exatos termos previstos.
Além disso, a mudança de entendimento representa profundo
abalo à segurança jurídica daquelas pensionistas que tiveram seus benefícios de
pensão chancelados pelo TCU e, em alguma fase de suas vidas, trabalharam na
iniciativa privada. Essas beneficiárias tinham e têm a legítima expectativa de
que o pagamento de seus respectivos benefícios ocorrem de forma legal e
regular.
O transcurso de mais de 26 anos desde a concessão do
benefício de pensão não pode ser desconsiderado pela Administração Pública. O
tempo consolida os efeitos jurídicos dos atos administrativos praticados pelo
Estado e confere estabilidade às relações derivadas da atuação administrativa.
Nesse aspecto, toda e qualquer medida tendente ao
cancelamento de benefícios que já foram chancelados pelo TCU, há mais de cinco
anos, é ilegal e não pode ser tolerada, sob pena de afronta à previsibilidade
jurídica própria e fundante de um Estado Democrático de Direito.
Portanto, as pensionistas – filhas de servidores públicos
falecidos antes de 19 de abril de 1.991 (data de início da vigência da Lei
8.112/90) –, que permanecem solteiras e não ocupam cargo público permanente,
únicos requisitos para o pagamento da pensão, fazem jus ao recebimento dessa
nos termos previstos no art. 5º, parágrafo único, da Lei 3.373/58,
independentemente de auferirem outras fontes de rendas não previstas no
referido diploma legal.
[1] Súmula 285 TCU. A pensão da Lei 3.373/1958 somente é
devida à filha solteira maior de 21 anos enquanto existir dependência econômica
em relação ao instituidor da pensão, falecido antes do advento da Lei
8.112/1990.
Por Thiago Linhares de Moraes Bastos
Fonte: Consultor Jurídico