domingo, 2 de abril de 2017

Teoria do fato consumado para consolidar remoção de servidor público


BSPF     -     02/04/2017




A remoção para acompanhar cônjuge que foi deslocado para outra localidade no interesse da Administração Pública, em âmbito federal, está prevista no art. 36 da Lei nº 8.112/1990. Nesses casos, a remoção para acompanhar esse cônjuge ocorrerá para permitir que a unidade familiar seja protegida.

Veja que a Constituição Federal enaltece a família e a estabelece como base da sociedade e protagonista de “especial proteção do Estado”, conforme seu art. 226. Esse cenário, por sua vez, dá uma diretriz para o legislador de que se a Constituição visa a essa proteção, as leis que virão a seguir devem utilizar a mesma linha de entendimento.

O servidor público, por seu turno, tem que enfrentar a aplicação desse direito quando seu cônjuge é removido no interesse da Administração. Este, imbuído do desejo de preservar a sua unidade familiar, vê-se perante a necessidade de ajuizar ações para tentar preservar o seu direito, já que, quando tenta a concretização perante a sua administração, não consegue materializá-lo. Sendo assim, o Superior Tribunal de Justiça – STJ atualmente se tornou um centro de discussões a respeito de remoção e, inclusive, disponibilizou recentemente na sua ferramenta de pesquisa jurisprudencial uma série de acórdãos que tratam sobre essa matéria.

O STJ, responsável por interpretar a legislação federal, já decidiu que, estando presentes os requisitos para a remoção, o servidor terá direito subjetivo e não poderá sofrer limitação do direito de ser removido. O STJ inclusive já decidiu que, mesmo quando o cônjuge que foi deslocado compõe a Administração Pública indireta e é um empregado público, poderá ocorrer a remoção do servidor para acompanhá-lo.

Recentemente, o STJ analisou a possibilidade de aplicar a “teoria do fato consumado” na remoção de servidor público com fundamento em provimento judicial de natureza precária, não mais em vigor.

Para fundamentar a sua defesa, o servidor indicou divergência entre os órgãos julgadores do STJ. Para tanto, apresentou o AgRg no REsp nº 1.453.357-RN, no qual havia decidido o seguinte:

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. REMOÇÃO A PEDIDO. ART. 36, PARÁGRAFO ÚNICO, III, “A”, DA LEI 8.112/90. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. 1. A orientação do STJ vem afirmando que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 226, consagra o princípio da proteção à família como base da sociedade brasileira e dever do Estado. Contudo, a tutela à família não é absoluta. Para que seja deferido o deslocamento do servidor pelo Judiciário, nos casos em que a pretensão for negada pela Administração, ele tem de comprovar que sua situação se subsume em uma das hipóteses taxativamente previstas para concessão do benefício quando inexistente interesse administrativo no ato. 2. Verifica-se que a remoção para acompanhamento de cônjuge exige prévio deslocamento de qualquer deles no interesse da Administração, inadmitindo-se qualquer outra forma de alteração de domicílio. 3. In casu, não ficou demostrado que a situação se encaixa nas hipóteses que preveem a remoção como direito subjetivo do servidor, uma vez que consta nos autos que a recorrida, ora agravante, teve que alterar seu domicílio, em virtude de aprovação em concurso público; assim, estava ciente de que iria assumir o cargo em local diverso da residência do marido. 4. Ressalto que a jurisprudência do STJ é rigorosa ao afirmar que a remoção requerida pelo servidor para acompanhar cônjuge é ato discricionário, embasado em critérios de conveniência e oportunidade, em que prevalece a supremacia do interesse público sobre o privado. 5. Ademais, a “teoria do fato consumado visa preservar não só interesses jurídicos, mas interesses sociais já consolidados, não se aplicando, contudo, em hipóteses contrárias à lei, principalmente quando amparadas em provimento judicial de natureza precária” (REsp 1.189.485/RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 28.6.2010).¹

Embora o AgRg no REsp nº 1.453.357-RN aponte, de forma límpida, que a teoria do fato consumado se serve a preservar interesses sociais já consolidados, o entendimento do STJ no vertente caso foi de que é inaplicável a teoria do fato consumado:

Não se aplica a “Teoria do Fato Consumado” em relação a atos praticados sob contestação das pessoas envolvidas, que o reputam irregular e manifestam a existência da irregularidade nas vias adequadas, ainda que, pela demora no transcurso do procedimento destinado à apuração da legalidade do ato, este gere efeitos no mundo concreto. 2. Verificada ou confirmada a ilegalidade, o ato deve ser desfeito, preservando-se apenas aquilo que, pela consolidação fática irreversível, não puder ser restituído ao status quo ante. 3. Na espécie, nunca houve em relação à remoção do embargante aquiescência pela Administração Pública, que se manteve em permanente resistência no plano processual, sempre apontando a ilegalidade no ato de lotação do servidor em localidade diversa daquela em que tomou posse por conta do concurso público. 4. Impossibilidade de aplicação da teoria do fato consumado. Embargos de divergência providos.²

O ministro Napoleão Nunes Maia Filho foi vencido no julgamento dos embargos de divergência e registrou que “a situação do Servidor está estabilizada desde 2001. São 15 anos de permanência dele na situação em que hoje se encontra. Do ponto de vista do Direito Administrativo, o voto do eminente Ministro RAUL ARAÚJO é incensurável, mas a finalidade desse instituto é a proteção da família ou do núcleo familiar: o marido, a mulher e os filhos, quando há”. Além disso, o ministro ressaltou que, nessa situação em concreto, seria um mal menor manter o servidor onde se encontra tendo em vista que já faz mais de 15 anos que está nessa situação com sua família.

Embora o ministro Napoleão tenha feito esses apontamentos, o STJ decidiu que essa proteção à família não é absoluta e que a Administração Pública precisa ter a discricionariedade para distribuir a sua força de trabalho.

¹ STJ. Agrg no Recurso Especial nº 1.453.357 – RN. Relator: ministro Herman Benjamin.

² STJ. Embargos de Divergência em Resp nº 1.157.628 – RJ. Relator: ministro Raul Araújo.

Por Ludimila Reis

Fonte: Canal Aberto Brasil


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