Correio Braziliense
- 07/05/2017
Governo exonera presidente do órgão que teve grande corte
orçamentário. Ao mesmo tempo se acirram confrontos em áreas demarcadas
“Querem acabar com a Funai”, denunciou o ex-presidente da
Fundação Nacional do Índio Antônio Fernandes Toninho Costa ao comentar a
própria demissão, publicada ontem no Diário Oficial da União e assinada pelo
ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha. O governo trocou o comando do órgão em
uma semana marcada por violentos ataques aos povos indígenas — um deles deixou
13 feridos no Maranhão, no domingo passado. Diante da mudança, especialistas
preveem uma preocupante escalada da violência no campo e em áreas demarcadas.
O coordenador do programa de política e direito
socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA) e ex-presidente da Funai,
Márcio Santilli, comenta que o país vive o pior momento em termos de políticas
indigenistas desde o fim do regime militar. “Essa exoneração acontece em uma
semana em que tivemos um novo massacre, um corte orçamentário gigantesco e o
Congresso apresentou um relatório pedindo a extinção da Funai. É um barco à
deriva capitaneado por um inimigo”, comenta.
Sobre a expectativa de quem vai assumir a Funai, Santilli
tem a pior possível. “O atual presidente foi exonerado por não ter concordado
com a nomeação de 25 pessoas indicadas por deputados ruralistas. Quem vem, virá
com essa missão. É preciso reagir. A gente espera que haja uma resposta do
Ministério Público e Judiciário, porque a Constituição não está sendo
cumprida.” O coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Paulo César
Moreira, reforça a preocupação. “Fica claro que a busca agora é por alguém mais
atrelado ao agronegócio. O momento é grave, pois isso aumentará os conflitos e,
consequentemente, o número de mortes.”
Interesses políticos
Toninho Costa, indicado pelo PSC, ficou menos de quatro
meses no cargo. Ao sair, fez duras críticas ao governo do presidente Michel
Temer ao dizer que foi demitido por não concordar em seguir o interesse de
grupos políticos. “O povo brasileiro precisa acordar. A população está anestesiada,
pois estamos prestes a ver uma ditadura neste país. O governo não quer acabar
somente com a Funai, mas também com as políticas públicas. As políticas de
demarcação de terras, as políticas de segmento. Isso é muito grave. Temos que
devolver aos índios os seus direitos. Se eu estou saindo, é porque eu defendi a
causa indígena. Meu interesse é garantir o direito dos índios e não interesses
políticos. Se continuar esses ataques parlamentares, a Funai deixará de
existir”, comentou.
Conforme adiantou o Correio, o conflito entre Toninho e o
governo começou há mais de um mês, quando ele se recusou a nomear pessoas
filiadas ao Partido Social Cristão (PSC) para coordenações de áreas técnicas,
que trabalham diretamente com a comunidade indígena. O próprio ministro da
Justiça, Osmar Serraglio, chegou a admitir em uma entrevista que, na barganha
de cargos da política, a Funai ficou com o partido e o responsável pelo órgão é
o líder do governo no Congresso, André Moura (PSC). “Com essa posição do atual
ministro, esses conflitos envolvendo indígenas podem ser acirrados. Existe uma
proteção de um grupo político que dá cobertura a isso”, acrescentou Costa.
Por meio de nota, Serraglio afirmou que a demissão de
Toninho se deu justamente por causa da “extrema importância que o governo dá à
questão indígena”. “O órgão necessita de uma atuação mais ágil e eficiente, o
que não vinha acontecendo (...) Várias questões não vinham sendo tratadas com a
urgência e efetividade que os assuntos da área requeriam, o que corrobora a
necessidade de uma melhor gestão”, complementa a nota ao citar exemplos de
ações não tomadas pelo ex-presidente.
“A presidência da Funai é um cargo de confiança do
presidente da República — a quem cabe nomear e exonerar. O PSC indicou um dos
seus quadros mais técnicos para a Funai. O partido segue à disposição para o
que se fizer necessário no sentido de contribuir com o país”, afirmou o partido
também por meio de nota à imprensa. André Moura não quis se manifestar. Apesar
de afirmar que nada tem a ver com a indicação do novo presidente, o PSC já
analisa em seus quadros alguém para substituir Toninho. Por causa da exposição
causada pelo ex-presidente, a legenda busca alguém técnico e com perfil mais
pacificador para evitar novos conflitos.
Centenas de indiciados
O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA),
deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), apresentou, na última quarta-feira, o
relatório final da CPI da Funai-Incra sugerindo o indiciamento de mais de 100
pessoas e propondo a criação de um órgão para substituir a Funai. Em mais de 3
mil páginas, o relatório traz 144 encaminhamentos e indiciamentos, entre eles
de servidores do Incra, da Funai, antropólogos, procuradores da República,
índios e pessoas ligadas às entidades protetoras dos povos, como o Conselho
Indigenista Missionário (Cimi). Apesar dos casos frequentes de violência contra
indígenas e camponeses, o relatório não traz nenhum ruralista para o centro das
investigações. O texto deve ser votado na próxima semana.
Atividades à beira de colapso
Assim como a maioria dos órgãos da Administração Federal, a
Fundação Nacional do Índio (Funai) sofreu recentemente um corte de 44% no
orçamento, além de uma tesourada nos recursos humanos: no fim de março, 347
cargos foram extintos. A área de licenciamento ambiental foi a mais afetada,
perdeu oito postos de trabalho. Agora, o setor tem 10 técnicos para analisar
cerca de 3 mil processos de licenciamento, ou seja, 300 para cada um. “O órgão
vai entrar em colapso. O mesmo governo que acusa a Funai de morosidade nos
processos de licenciamento ambiental de obras descarta, agora, a maior parte
dos técnicos”, destaca Márcio Santilli.
Em 2016, a fundação sofreu um corte de orçamento de R$ 53,5
milhões, e em 2017, de quase R$ 19 milhões — e está em estudo a possibilidade
de redução pela metade da verba. Atualmente, são 2.142 funcionários efetivos,
quando o número total autorizado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão é de 5.965. Os servidores, em recente carta divulgada na mídia, alertam
para o agravamento do quadro se um terço dos funcionários se aposentar em 2017.
Segundo Cleber Buzatto, secretário-executivo do Conselho
Indigenista Missionário (Cimi), órgão vinculado à Confederação Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB), o enfraquecimento da Funai deixa cada vez mais
expostos povos que precisam de proteção e apoio. “A Funai já estava em uma
situação de estrangulamento financeiro e de pessoal, que a impedia de concluir
as atribuições institucionais e constitucionais, que é a proteção dos povos e
das terras. E agora, ao que tudo indica, esse quadro vai ser agravado.”
(Natália Lambert , Michelle Horovits)